terça-feira, 27 de agosto de 2013

Café Europa: Emissão #85, de 26 de Agosto de 2013

1.ª Hora
01. NAEVUS - "Idiot (Let Me In)” (GB)
02. SPIRITUAL FRONT - "Hey Boy“ (IT)
03. CULT OF YOUTH - "Prince Of Peace” (USA)
04. ONIRIC - "Nirvana” (IT)
05. EGIDA AUREA - "La Mia Piccola Guerra” (IT)
06. KIRLIAN CAMERA - "Silencing The World” (IT)
07. COLLOQUIO - "Tempo Bruccia Tutto” (IT)
08. ROSE ROVINI E AMANTI - "La Mia Germania” (IT)
09. SALA DELLE COLONNE - "Anathema Of 3os“ (IT)
10. ROME - "The Colony (Highveld)" (LUX)
2.ª Hora
01. ROME - "Hate Us And See If We Mind (single version)" (LUX)
02. LUX INTERNA - "Tongues" (USA)
03. DARKWOOD - "Der Letzte Flug” (GER)
04. ORDO EQUITUM SOLIS - "Never Read Book” (FRA/IT)
05. LEGER DES HEILS - "Gewheites Land” (GER)
06. SANGRE DE MUERDAGO - "Longo Camiño de Desaprendizaxe” (GLZ)
07. ÀRNICA - "Altas Hojas” (ESP)
08. TEARS OF OTHILA - "Into The Woods” (IT)
09. CAMERATA MEDIOLANENSE - "Questa’Anima Gentil“ (IT)
10. CAMERATA MEDIOLANENSE - "Canzone Alla Vergine“ (IT)
11. DAEMONIA NYMPHE - "Ero’s Erota“ (GRE)
12. LITTLE ANNIE & BABY DEE - "State Of Grace“ (USA)
13. THROBBING GRISTLE - "Convincing People“ (GB)

 
Simone (Hellvis) Salvatori (SPIRITUAL FRONT)

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Café Europa: Emissão #84, de 19 de Agosto de 2013 Antevisão FADEIN-FESTIVAL ENTREMURALHAS 2013

1.ª Hora
01. DEINE LAKAIEN - "Love To The End (acoustic)" (GER)
02. DEINE LAKAIEN - "Dark Star" (GER)
03. DER BLAUE REITER - "Eyes Of The Lost” (ESP)
04. DER BLAUE REITER - "1st of May” (ESP)
05. LEBANON HANOVER - "Die World” (GB)
06. LEBANON HANOVER - "N.º 1 Mafioso” (GB)
07. TRIORE - "Pleasures & Tortures” (SWE/GER)
08. TRIORE - "Europa’s Dream” (SWE/GER)
09. SPIRITUAL FRONT - "Soulgambler“ (IT)
10. SPIRITUAL FRONT - "Song For The Old Man" (IT)
11. MERCIFUL NUNS - "Funeral Train“ (GER)
12. NACHTMAHR - "Tanzdiktator(AUT)

2.ª Hora
01. ROMA AMOR - "Next" (IT)
02. ROMA AMOR - "Madrigale" (IT)
03. DIE SELEKTION - "Du Rennst(GER)
04. DIE SELEKTION - "St Leonard(GER)
05. NAEVUS - "Afters” (GB)
06. NAEVUS - "Man In The Ditch” (GB)
07. QNTAL - "Am Morgen Fruo(GER)
08. QNTAL - "Maiden In The Mor” (GER)
09. SOROR DOLOROSA - " Solor Dolorosa“ (FR)
10. SOROR DOLOROSA - "Silver Square" (FR)
11. KAP BAMBINO - "Bat Caves“ (FR)
12. KAP BAMBINO - "Black List“ (FR)
13. KAP BAMBINO - "Devotion“ (FR)


Café Europa Apresenta: Festival Entremuralhas 2013



Uma vez mais o Café Europa estará presente e recomenda a todos o melhor Festival de Música em Terras Lusas.
Entre 23 e 25 de Agosto a Associação Cultural Fadein realiza a quarta edição do Festival Gótico Entremuralhas 2013, distribuido, este ano, entre o Teatro José Lúcio da Silva e o Castelo de Leiria.  
O Cartaz desta edição é altamente recomendável:

 DEINE LAKAIEN – Formados em Munique, em 1985, pelo macedónio Alexander Veljanov e pelo multi-instrumentista germânico, de escola clássica, Ernst Horn, os Deine Lakaien tornaram-se numa das maiores referências mundiais da chamada darkwave, embora a sua música tenha, há muito, atravessado as fronteiras desse estilo musical que, maioritariamente, junta a melancolia inerente à música de toada gótica com a sofisticação romântica da electrónica característica da new wave. Dez anos depois de se ter apresentado ao vivo no FADEINFESTIVAL 2003 a dupla regressa a Leiria, de novo para um concerto exclusivo, de data única em Portugal, e em formato acústico, onde alguns dos seus temas mais emblemáticos serão interpretados com recurso à voz e a um piano de cauda preparado. Solene, mágico e imperdível!

DER BLAUE REITER – Sathorys Elenorth e Lady Nott, os mentores de Der Blaue Reiter, regressam ao Castelo de Leiria onde, por ocasião do Entremuralhas 2011, actuaram com o seu projecto de reminiscências medievais, Narsilion. Nesse memorável concerto foram acompanhados por músicos dos britânicos Sol Invictus e dos suecos Arcana. De resto, estes catalães são conhecidos por colaborarem ao vivo com o colectivo escandinavo e, no Entremuralhas 2011, os Arcana contaram, precisamente, com as suas presenças em palco. No projecto Der Blaue Reiter, Sathorys e Lady Nott enveredam por uma toada musical mais sombria e intensa, criando estruturas sonoras pós-industriais recorrendo ao uso de instrumentos clássicos e ritmos maioritariamente marciais. Música fílmica com forte evocação histórica num cenário que não poderia ser outro…

LEBANON HANOVER – Os Lebanon Hanover estreiam-se ao vivo em Portugal e logo num cenário tão idílico como são as ruínas da Igreja da Pena, bem no centro do Castelo de Leiria. As seculares paredes que vão acolher a sua prestação contrastam grandemente com a jovialidade de Larissa Iceglass e do andrógino William Maybelline – a dupla que incorpora este projecto com sede dividida entre Newcastle e Berlim. Os Lebanon Hanover são um dos nomes fortes do revivalismo post-punk, nas suas vertentes minimal wave / coldwave e, à conta disso, têm viajado pelo mundo mostrando que, muitas vezes, “menos é mais”. As suas músicas são alicerçadas em estruturas simples mas eficazes, onde um baixo marcante e duas vozes gélidas distintas dão corpo a histórias com forte teor misantrópico. Primeiro estranha-se depois entranha-se.


TRIORE – Triore é uma banda que resulta entre a colaboração dos germânicos Triarii e os suecos Ordo Rosarius Equilibrio. A sua vinda a Portugal será um dos raríssimos momentos em que o projecto se apresenta ao vivo. O desafio lançado pela FADE IN foi aceite talvez porque Tomas Pettersson já conhece o cenário que o vai albergar: o Palco Alma foi o local de acolhimento dos Ordo Rosarius Equilibrio no Entremuralhas 2010. O universo musical dos Triore é pautado por estruturas de evocação bélica e toada militarista (características que Christian Erdmann dos Triarii incute no seio desta aventura) nunca descurando, porém, o formato de canção, com a voz do líder dos Ordo Rosarius Equilibrio a conferir um cunho “pop” e com as guitarras acústicas a sublinharem a vertente neofolk desta surpreendente “joint-venture” artística.


SPIRITUAL FRONT – Depois de um espantoso concerto no FADEINFESTIVAL 2006, em que dividiram o palco com Owen Pallet (então violinista dos Arcade Fire) os italianos Spiritual Front voltam a Leiria para, desta feita, destilarem a sua máfia-folk na sombra da Torre de Menagem do Castelo de Leiria, em pleno Palco Alma do Entremuralhas 2013. Este regresso era mais que um imperativo que se impunha, pois este é um festival que exige a nata das natas e bandas de incomum cartel, ou não fosse este colectivo liderado por Simone “Hellvis” Salvatore, o único no mundo a fazer música pop niilista suicida, com fortes nuances fílmicas do imaginário característico do spaghetti western onde Ennio Morricone deu cartas. Confusos? Simplifiquemos então: música com muita categoria, estilo, personalidade, classe, e uma boa dose de provocação. Um must!


MERCIFUL NUNS – Os germânicos Merciful Nuns são a mais recente encarnação de Artaud Seth, a mística figura que nos anos 90 comandou os The Garden Of Delight. Os Merciful Nuns destacam-se, sobretudo, pela secção rítmica do seu goth rock purista, fumarento e musculado, cheio de vielas obscuras, onde uma voz grave e teatralizada nos guia ante um universo povoado de ocultismo, espiritualidade, e referências a culturas tão ancestrais como a da idade do megalítico. Toda a tipologia por eles criada e usada, onde se incluem misteriosos símbolos e sinais, concede aos Merciful Nuns uma cartografia estética incomum e um espaço delimitado só seu, que lhes proporciona um culto muito próprio e devoto. A edição de sete álbuns em apenas dois anos mostra bem a avidez criativa de Artaud e seus pares. Rock gótico mais gótico não há!


NACHTMAHR – Os austríacos Nachtmahr são liderados por Thomas Reiner (ex-Siechtum e também líder dos L’âme Immortelle). Quando em 2007 os Nachtmahr editaram o EP “Kunst Ist Krieg” (Arte é Guerra) tornaram-se rapidamente populares nalgumas das pistas de dança mais arrojadas da europa central. Nesse mesmo ano foram recrutados para a banda sonora do blockbuster americano Saw IV, ao lado de outros nomes gigantes, como Nitzer Ebb (que estiveram entre nós no Entremuralhas 2011), Skinny Puppy, ou Ministry. A imagética da banda, maioritariamente militarista e sexual, dá corpo a alguns dos temas mais dançáveis e potentes da actualidade, por isso, não será de estranhar que a banda escolha para a sua prestação no Castelo de Leiria alguns dos hits mais emblemáticos que pautam os quatro álbuns que editaram até à data.


ROMA AMOR – Os italianos Roma Amor são um verdadeiro tesouro que o Entremuralhas faz questão de revelar. A sua música, de uma beleza e simplicidade tocantes, deveria estar acessível a todos porque é para todos. Não, não é mainstream, nem tão pouco se rege pelas fórmulas de sucesso imediato, mas estamos certos de que a perfeição que encerra conquista qualquer ouvinte, por muito duro de ouvido que seja. Euski (voz – e que sedutora voz! – guitarra e teclas) e Michele Candela (baixo, castanholas e acordeão) são autores de pequenas obras de arte, canções de fino recorte, que nos encantam com histórias de amor, de saudade, de despedidas, de sensualidade, da Paris dos anos 40 e da “vecchia” Itália, de Ravenna (de onde são oriundos) a Nápoles. Ouçam, por exemplo, “Occhi Neri” e digam-nos lá se ficam indiferentes… Impossível!


DIE SELEKTION – Os germânicos Die Selektion são um trio constituído por Hannes Rief (trompete, coros e glockenspiel), Max Rieger (sintetizadores, sequenciadores e segundas vozes) e por Luca Gillian (voz e sintetizadores). A sua música, maioritariamente dançável, caracteriza-se por sequências electrónicas frias mas apelativas, sons analógicos incisivos, um trompete dinâmico que nos envolve de forma certeira (como nos velhos tempos dos The Klinik), e uma voz muito característica, cujo trejeito nos remete, às vezes, para Xmal Deutschland. Os Die Selektion são um dos nomes fortes da nova vaga de grupos revivalistas da música minimal new wave, género que, há cerca de 30 anos, ditava as regras de uma certa vanguarda que desbravava os novos caminhos da pop mais electrónica. A Igreja da Pena vai, desta vez, transformar-se na pista de dança mais secular da Europa!


NAEVUS – Formados em 1998, os britânicos Naevus têm vindo a construir uma discreta mas sólida carreira que se materializou, para já, em sete estupendos álbuns e uns quantos fantásticos EPs. O motor criativo deste grupo de excelentes músicos, onde habitualmente colaboram Matt “Sieben” Howden, Rose Mcdowall (Current 93, Coil, Psychic Tv) ou Jo Quail (que brilhou no Entremuralhas 2012) chama-se Lloyd James e é um compositor bem acima da média. O universo dos Naevus deambula entre o neofolk com reminiscências de uns Death In June dos anos 80 e a estética de canções experimentada pelo Swans nos anos 90. Nesse intervalo estético juntemos ainda os resquícios post-punk de uns Wire e o rock fumarento dos seminais Bad Seeds de Nick Cave e encontramos o território destes magníficos Naevus. Uma categoria!

QNTAL – Os germânicos Qntal são a mais histórica e influente banda de música medieval electrónica da velha Europa. Fundados em 1991 por Michael Popp e por Ernst Horn (Deine Lakaien, Helium Vola) os Qntal têm na voz de Syrah (que canta maioritariamente em latim) a sua “imagem de marca”. Em 1999 Horn decidiu concentrar-se nas suas outras bandas, entrando para o seu lugar Philipp Groth. Em 2008 a cantora e violinista Sarah M. Newman (Mariko) deixou os nova-iorquinos Unto Ashes e juntou-se ao grupo. Oito anos depois de terem actuado no FADEINFESTIVAL 2005 os Qntal regressam ao nosso país, de novo em exclusivo à cidade do Lis, mas desta feita para se apresentarem num palco de sonho, que parece ter sido estrategicamente criado para os acolher. Será, no mínimo, magistral!

SOROR DOLOROSA – Liderados pelo reputado fotógrafo francês Andy Julia (voz e teclas), que foi um dos protagonistas do Entremuralhas 2012 – então na condição de percussionista no memorável concerto de Dernière Volonté – os Soror Dolorosa são uma das melhores e mais coesas bandas da coldwave europeia e o seu line up completa-se com Hervé Carles (baixo), Franck Ligabue (bateria) e Nicolas Mons (guitarras). Na bagagem trazem o seu mais recente álbum “No More Heroes”, um disco alicerçado nas assumidas influências de Bauhaus e de The Cure, mas erigido numa linguagem estética que lhes confere personalidade e identidade. A banda, que esteve em digressões com nomes como Alcest, Les Discrets, Heirs ou A Dead Forest Index, vai impressionar pela sua componente técnica e envolvente melódica. Sombria mas sexy.

KAP BAMBINO – Formados em 2001 por Orion Bouvier e Caroline Martial, os franceses Kap Bambino são famosos pelas suas poderosas e “selváticas” prestações ao vivo. A fama foi mundialmente granjeada devido à esquizofrenia espasmódica alucinante que Caroline Martial destila em palco, “incendiando” e provocando autênticos “riots” nas plateias. A música dos Kap Bambino desafia convenções e etiquetas. É electrónica mas apresenta uma toada bipolar, às vezes de âmago pop, outras vezes abrasivamente noise e punk com ritmos incisivos, sequências venenosas, e mensagens fortes. A descarga decibélica da banda, aparentemente fora de controlo, não a impede, porém, de ter alguns dos temas mais tremendos e corrosivos das actuais pistas de dança. E ao vivo, são uma experiência de características inigualáveis. Quem se atreve?

domingo, 11 de agosto de 2013

Café Europa: Emissão #83, de 05 de Agosto de 2013

1.ª Hora – Play List
01. ONIRIC - "Mannequin" (IT)
02. KIRLIAN CAMERA - "Barren Cornfields" (IT)
03. CAMERATA MEDIOLANENSE - "Voi ch’ascoltate" (IT)
04. CAMERATA MEDIOLANENSE - "Dolci Ire" (IT)
05. DAEMONIA NYMPHE  - "Thracian Gaia" (GRE)
06. ROSE ROVINE E AMANTI - Holy Mary Protect My Child (IT)
07. CAMERATA MEDIOLANENSE - "Canzione All’ Italia" (IT)
08. CAMERATA MEDIOLANENSE - "99 Altri Perfectii" (IT)
09. CAMERATA MEDIOLANENSE - "Fragmento XXXV" (IT)
10. CAMERATA MEDIOLANENSE - "Solo et Pensoso" (IT)
11. ATARAXIA - "The Moon Sang On The April" (IT)
12. OSTARA - "Midsummer Sunday" (GB)
13. DEATH IN JUNE - "A Nausea" (GB)
2.ª Hora – Play List
01. ORDO EQUITUM SOLIS  - "Universe" (IT/FR)
02. CAMERATA MEDIOLANENSE - "Tremo et Taccio" (IT)
03. CAMERATA MEDIOLANENSE - "Vago Augelletto" (IT)
04. CAMERATA MEDIOLANENSE - "Vergine Bella" (IT)
05. BLOOD AXIS - "The Song Of The Comrade" (USA)
06. CAMERATA MEDIOLANENSE - "Lo Gran Desire" (IT)
07. CAMERATA MEDIOLANENSE - "O Mia Stella" (IT)
08. CAMERATA MEDIOLANENSE - "Quest’ Anima Gentile" (IT)
09. GREEN MAN - "At Stockholm" - (IT)
10. ROME - "The Demon In Me (Come Clean)" (LUX)
11. STRYDWOLF - "Night Cometh On" (NED)
12. BLACK SABBATH - "Zeitgeist" (GB)

Café Europa apresenta: CAMERATA MEDIOLANENSE - "Vertute, Honor, Bellezza". CD, 2013, Auerbach Tonträger

Algures nos anos do pós-guerra, a canção popular cresceu, tornou-se predominantemente profunda, filosófica, cheia de significado para uma nova maneira de encarar o mundo, que se reconstruía após seis anos de loucura e carnificina. Do início dos anos 50 ao final dos anos 60, foram duas décadas de ascese espiritual, a princípio decadente, por causa do derrotismo Beatnik, mas gradualmente mais positiva por afirmar valores que implicavam a esperança numa nova Renascença para a Humanidade.   

Nessa altura não era de estranhar ver poetas e compositores de reconhecido gabarito a escrever para outros, ou mesmo ver grupos e cantores que abertamente se entregavam, de forma quase feudal, ao mester de cantar a obra maior de alguns iluminados ou doutros simplesmente talentosos. Vimos isso nos californianos Byrds, que alicerçaram o seu boom inicial nas canções quase perfeitas de Dylan e Pete Seeger, vimos isso na obsessão catártica de Scott Walker pelo cancioneiro de Jacques Brel ou ainda na forma como os Love tratavam as gemas criadas por Burt Baccharach. Fazer desse lado “muso-vassálico” uma forma de vida e carreira seria altamente difícil e potencialmente descaracterizador da identidade própria. Daí que se conclua que quando uma banda o consegue, durante praticamente toda a sua existência, estamos deveras em presença de um talento muito alto. Ainda mais quando se sabe que os patronos viveram entre os séculos XIII e XIV e se chamavam nada menos que Dante Allighieri e Francesco Petrarca.
Os italianos CAMERATA MEDIOLANENSE têm-no feito com rara mestria e em 2013 estão de volta, após longo interregno, com o álbum “Vertute, Honor, Belleza”, baseado no cancioneiro de Petrarca e destaque central da emissão desta noite no Café Europa.
Dizem os registos oficiais em torno da CAMERATA MEDIOLANENSE, que este disco está a ser trabalhado há cinco anos – no entanto o último álbum de originais foi lançado há 15 !!! Todo este espaço de tempo entre “Madrigali” de boa memória e este “Vertute Honor Bellezza”, foi passado como que em suspensão criogénica, isto é, os elementos fixos do grupo dedicaram-se obviamente às suas atividades profissionais, mas A CAMERATA, sempre sob a orientação da musicóloga, investigadora e multi-instrumentista Elena Previdi, foi lançando singles e ep’s, com a colaboração próxima da velha equipa que inclui os percussionistas e também multi-intrumentistas Trevor, Manuel Aroldi e Marco Colombo, com o acréscimo da voz lírica de Daniela Bedeski, elemento móvel mas fundamental da CAMERATA MEDIOLANENSE, ao longo dos anos.
Musicalmente, a mudança no trabalho deste grupo reflete talvez um pouco do que utopicamente se pode chamar “estética clássica da eternidade” – raramente soa diferente, mas de tão grandiosa que é, a sua imutabilidade permanece o único veículo pelo qual se fazem anunciar junto das plateias da Europa e do mundo. Persistem os motivos renascentistas e neo-clássicos, as percussões de batalha, europeias mas quase tribais, os teclados de fundo e de base que desenham profundidades em perspetiva que nos transportam ao recato de séculos ou nos empurram para a frente da imaginação, mesmo quando soam pop no tema “99 altri perfecti”, que aqui reaparece, depois de ter saído em ep em finais de 2011, neste caso antecedido pela cerimonial “Canzone all Italia”, que prepara e completa o primeiro grande bloco alto neste novo álbum, depois de “Voi Ch’ascoltate” e “Dolci Ire”, os quais abrem com mistério e a grandiosidade da música vocal italiana, eivados de um espírito renascentista, adensado por coros e percussões festivas e marciais.
“Fragmento XXXV” é apenas um intermezzo ambiental-poético, que introduz o solene “Solo et Pensoso”, recheado de movimentos ascendentes e descendentes dos sintetizadores manipulados por Elena Previdi – aliás, este álbum é marcado pela proliferação de sons de sintetizador, paradoxalmente na urdidura musical de um grupo que prima pela abordagem renascentista. Mas, neste caso, mais uma vez, aquilo que soaria desajeitado e desproporcionado noutro qualquer grupo de neofolk, surge aqui com uma iluminação sonora capaz de nos transmitir visões de um passado desconhecido ou de um futuro ausente, como acontece concretamente no sétimo tema, “Tremo et Taccio”, que termina com uma harmonia vocal de segundos que gostaríamos de ouvir por mais tempo…
A mesma toada de sintetizadores regressa logo a seguir para o estranho e bastante ambiental/atmosférico “Vago Augelletto”, que nos parece outra peça introdutória, mas que logo se desdobra em bucolismo da Idade de Ouro, com a voz de Daniela Bedeski em primeiro plano. Mas não é erro julgar este momento como preambular da sequência do alinhamento do álbum – segue-se “Vergine Bella”, que é também o novo single, e o qual encerra a trilogia dedicada a Petrarca, depois da anterior, em honra do “Inferno” de Dante. Estes dois temas formam o segundo planalto perfeito neste “Vertute, Honor, Bellezza” dos CAMERATA MEDIOLANENSE, duas suites que parecem posicionar-se estrategicamente na composição, como “beacons” orientadores do trabalho de ascese do quinteto milanês, que neste álbum é também ajudado literalmente por dezenas de amigos que quiseram dar o seu contributo vocal e instrumental.

Num ano tão conturbado, não só política como economicamente, não só social como sempre humanamente, nesta “Europa XXI” em erosão, que se esboroa de valores por causa de outros apenas tabeláveis para interesses guardados, existir um disco como este, poderia ser entendido como um sinal de boa-esperança, cuja realização depende apenas do nosso reconhecimento coletivo. E enquanto isso não acontece, resta-nos a expressão sentida desse grande desejo, talvez o “Lo Gran Desire” emocionante que anuncia o final do álbum e que começa como pesadelo sónico antes de explodir em grandiosa marcha technopop neo-clássica – outro dos temas que aqui gostaríamos de escutar alongados.
O álbum encerra com “O Mia Stella”, interessante mas talvez só um pouco incaracterístico, nos seus laivos de opereta gótica, embora sempre com a atenuante de ter os coros de Daniela Bedeski e Elena Previdi, que conduzem o tema a uma apoteose de baile de máscaras, e “Quest’Anima Gentile” sela o disco com um momento vocal belíssimo do jovem Matteo Benedini, o pequeno amigo da Camerata que surge em primeiro plano na fotografia de família que adorna o livreto interior, de novo em dueto com a luminosidade cristalina da voz de Daniela.

Afinal de contas, acabamos por perceber porque é que passámos esta revista a falar de Renascença, Esperança e Idade de Ouro. Este é um dos trabalhos de música popular fundamentais deste ano e os valores petrarquistas que canta não são necessariamente cognatos das 3 graças que os senhores do avental proclamam – a CAMERATA MEDIOLANENSE apenas cumpriu aquilo que se propôs fazer – mostrar virtude, honra e beleza. Foram 15 anos de espera por um trabalho maior que se justificaram em pleno, se bem que nestas coisas das artes maiores, da música e da poesia, dos génios e dos talentos, o tempo é sem dúvida aquilo que menos importa.