quinta-feira, 17 de abril de 2014

Cafe Europa apresenta : CURRENT 93 “I Am The Last Of All The Field That Feel”, Coptic Cat, 2014

Nem todos os álbuns aos quais o Café Europa dá destaque têm a mesma carga sentimental de proximidade, de afectos alimentados há longas datas, nem terão necessariamente de ser alvo de uma cumplicidade militante, resultado de trinta ou quarenta anos de intensas paixões musicais. Se há dever que um programa como o Café Europa procura sempre honrar é o de apresentar novidades ou lançamentos importantes dentro de uma área musical, definida apenas pela sua qualidade inegável e pela sua ausência das grandes antenas nacionais e até internacionais, que há muito deixaram de ter papel relevante na apresentação da arte pela arte. À parte as estações locais ou académicas, que me lembre, só ouvi uma banda como os CURRENT 93 uma só vez, num dos programas da Antena 1 em que Ricardo Saló e Aníbal Cabrita convidavam estrelas do jornalismo musical nacional para fazer balanços anuais, e nesse programa a figura tinha Somsen como apelido.

Para os que prenunciavam o fim de uma certa elite de bandas e projectos nominais que desde o final da década de 80 se afirmaram como médium de vários géneros marginais, os anos da segunda década do século XXI devem estar a ser verdadeiramente enervantes uma vez que, não só esses nomes se mantêm estáveis e criativos, como também se multiplicam em inúmeras colaborações de impacto colateral proporcional, mas aguentando com notável dignidade as mudanças dos tempos e, sobretudo, das vontades.
Se calhar, não serei eu – somente eu – o elemento colaborador do Café Europa indicado para tecer algumas palavras emocionadas de apreço pelo novo álbum de David Tibet e dos CURRENT 93 – não quero ser mal interpretado: entre vinil e formato c devo ter uma trintena de obras dos CURRENT 93 em minha casa, portanto se não sou fã, para lá caminho. Aliás, já presenciei o grupo de David Tibet ao vivo pelo menos duas vezes, e há quase 30 anos tive um encontro inesperado com o próprio nas alamedas dos Jardins das Tulherias em Paris, ainda antes de saber bem quem ele era, tendo-o confundido com um missionário-pedinte de uma seita qualquer a distribuir panfletos em pleno coração parisiense.
Escusado será dizer que o autor de “Dogs Blood Rising” levou a mal e quase se gerava ali um pugilato entre um português com uma t-shirt de Motorhead e um malaio britânico de casaco existencialista e lunetas redondas fumadas. Com estas razões apontadas, estou em crer que tanto o Nuno Silva como o Ângelo Fernandes me vão perdoar o tom subjetivo com o qual vou abordar o álbum destaque desta semana – porque não vejo outra forma de o fazer.
David Michael Bunting, vulgo Tibet, e o seu grupo de amigos sempre móbil ao sol do meio-dia têm um novo disco de título “I Am The Last Of All The Field That Feel”. Devo confessar que os últimos discos que deles adquiri, em vinil, foram os duplos álbuns “Black Ships Ate The Sky” e “Aleph At The Hallucinatory Mountain”, respetivamente de 2006 e 2008, com a edição pelo meio do mini LP “Birth Canal Blues”; ao lado passaram-me por completo os álbuns “Baalstorm Sing Omega” e, ainda mais, “Honeysuckle Aeons”. Quer isto dizer que para já tenho como referência um intenso período de criação de David Tibet que marcava o seu regresso após discos tão importantes como “Sleep Has His House”, “Purtle”, “Bright Yellow Moon” ou “Hypnagogue”, apenas para citar os mais memoráveis já que os CURRENT 93 mantêm uma linha de edição quase constante, sendo pois muito difícil ser assertivo em matéria de edições consideradas basilares dentro dos originais.
Remontando à minha referência mais “recente” para “Aleph At Hallucinatory Mountain”, esse trabalho de grande porte tinha-me deixado um desconforto auditivo em matéria de composição, embora naturalmente com momentos de eleição. Uma coisa é certa – Tibet sabe bem quem há de convidar para figurar nos seus discos. E Andrew Liles, é um deles, o mestre saxofonista John Zorn é outro, assim como o lendário guitarrista Tony McPhee dos não menos históricos Groundhogs, ou ainda Antony Hegarty e Nick Cave, que têm episódicas mas decisivas colaborações. Convidados visionários são uma almofada de qualidade que impedem ao homem do leme a queda na sensaboria e, ainda mais, no perigo da repetição.
I Am The Last Of All The Field That Feel” é um trabalho que manifestamente foge a estes perigos, que estiveram várias vezes patentes nos discos que se seguem a “Bright Yellow Moon”, de 2001, que é talvez o derradeiro trabalho dos CURRENT 93 com as marcas com as quais até então construíram um império musical, durante dezoito anos a fio, quase sempre com vários álbuns por ano. “I Am The Last Of All The Field That Feel” sendo um álbum que veicula cada vez mais a sabedoria profunda de Tibet no misticismo cristão arcaico, teria de ser rico e profuso em ideias e execução e ao cabo dos primeiros temas, essa conclusão é inevitável.
Se tivéssemos que atribuir adjetivos e cumprimentos, fixar-nos-íamos numa atitude criativa de contornos jazzísticos e góticos, contudo envoltos numa ginástica progressiva que denota e melhor traduz os gostos do coletivo – Tibet nunca escondeu o seu amor pelo rock progressivo britânico e alemão, nomeadamente por bandas como os Van Der Graaf Generator, Hawkwind, Amon Duul I e II ou outros mais obscuros mas não menos excelentes, como Ramses e Sand. E essa vibe flutuante entre o jazz, o prog, o gótico e o space-cosmic estão ostensivamente nos temas de abertura, “The Invisible Church”, “Those Flowers Grew” e “Kings and Things” (este último de uma beleza marcante, a fazer lembrar os discos românticos de C93 na segunda metade dos anos 90).
Ao acompanharmos com atenção pelo libreto apercebemo-nos de que não há separação temática dos poemas, jorrando este como um fluxo contínuo de registos que aparentam ter sido redigidos em estado de quase êxtase. Aliás, como afirma o próprio Tibet várias vezes, a verdade é só uma, alusão blavatskyana que remete para a Verdade como a única religião tangível – Tibet escreve cada vez melhor Poesia e isso está patente neste álbum – maravilhosas palavras de senda e reencontro com o divino e com o apocalíptico também, reencontro com almas amadas, tal como acontece com o quarto tema “With the Dromedaries”.
Um reencontro com velhos amigos mortos entre os quais Jhonn Balance, numa espécie de elegia saudosa, apenas comparável com as palavras que Homero escreveu para Aquiles, lamentando-se perante o corpo morto de Heitor, só que num plano etéreo, em que as maravilhosas ideias criadas pelos idos se espelham de alguma forma nesse paraíso de memórias que perduram na eternidade. Pouco será dizer que é dos melhores momentos “Tibetanos” dos últimos vinte anos, tendo como ponto de referência o álbum de 94, “Of Ruine Or Some Blazing Starre”. Mas, não nos dando descanso à alma, o tema seguinte parece ser a continuação – “The Heart Full Of Eyes”, tem muito do som kraut de 71, dos Amon Duul II, dos Popol Vuh (especialmente a guitarra e o piano, e a base rítmica de feições orientais), tratado com as condições atuais do som digital que construem uma dança em círculo tridimensional, poema em movimento crescente, ascendente, expulsão terminal de demónios antigos, maravilhoso exorcismo de intensos por-de-sois laranja escuro que só ele é capaz de ver, a terminar com suave embalo de flautas dignas da Incredible String Band. 
A voz de Antony há muito que se tornou para mim um desgosto – passados os primeiros encantos e deslumbramentos do final da década de 90 e dos anos iniciais de 2000, os maneirismos vocais vistosos do autor de “Cripple and the Starfish” pareceram integrados numa espécie de mainstream paralelo em que os dotes artísticos parecem reduzir-se a um ritual habitual de truques, com uma hipertrofia temática de, como escreveu Hyaena Reich, “canções de suicídio para cortar os pulsos com faquinhas de manteiga”. Antony, é certo e sabido, é um protegé de Tibet e estará sempre à vontade com o seu talento aliado ao visionarismo do seu patrono. E em “Mourned Winter Then” não se faz excepção – a interpretação do gigante anjo azul soa sólida e intimista, num poema que fala da Deusa Lua e do seu poder, da sua magia feita da lógica das estrelas e de como somos apenas ecos da sua existência divina e natural, através de tudo o que ela faz refletir nos nossos actos. Para mim ainda não será uma reconciliação com a voz de Antony mas decerto que me junto à assembleia concordante com o elevado momento musical aqui desenvolvido, que é no mínimo brilhante, apenas ultrapassado pelo grau do poema que é mais uma vez dos melhores escritos de sempre de Tibet.
As coisas voltam de novo a tornar-se mais duras com o sétimo tema “And Onto PickNickMagick” – uma longa constrição de autocensura, suspensa no êxtase das próprias palavras de redescoberta existencial, como num círculo eterno de conhecimento construído nas vivências que nos marcam e que constituem a nossa razão de ser, mas só à posteriori. Há que unir os pontos e os números para, a uma certa distância, se entender a lógica superior de tudo isto. De qualquer forma, a questão é – seríamos todos nós capazes de o fazer? Basta escutar o arrebatamento e sofrimento de Tibet para nos fazer pensar duas vezes. A esperança será sempre a última a morrer portanto a humanidade terá pouco que se queixar, mas da forma como Tibet apresenta a questão, a dúvida pode sobrepor-se. E de quem é a voz que fecha em tom profético reconciliatório, fazendo a passagem para o tema seguinte? Por momentos parece Bobby Beausoleil, mas isso seria adivinhar muito, talvez demais…
Com “Why Did The Fox Bark?” regressam os momentos de nostalgia suave, o piano de Reinier Van Houdt a levar-nos pelos ares, entre recordações místicas do secreto legado hebraico à grega ortodoxia, que parecem fazer sentido quando justapostas pela mão de Tibet, e depois o aparente tema alegre do álbum, “I Remember The Berlin Boys”, que por momentos poderia ser sobre o passado de Tibet junto dos ex-grupos amigos dos Current 93 (“Lembro-me dos rapazes de Berlim, dos esquadrões esquálidos, com as suas botas negras…”, é um verso demasiado óbvio para se referir apenas às S.A. e S.S. da Berlim pré-Hitleriana…). Mas como pode ele repescar essa memória se nunca ele próprio vestiu a camisola do revisionismo cínico dos negros anarquistas com quem conviveu nos anos 80? Se mesmo em Osaka 89, aquando da cimeira que reuniu em palco Boyd Rice, Douglas P, Tony Wakeford, Rose McDowall e Michael Moynihan, Tibet esteve sempre à parte, tocando em seu nome apenas?
Talvez o seguinte verso possa fazer luz sobre as misteriosas palavras do tema: “à distância, rodando como um remoinho de fumo, ou vapores, e assobiado ao censo da face noturna, melros zumbem no céu, e a mensagem é : eu comandei o Mal”. Mas nesse caso os seguintes – caso queiram confirmar – parecem, repito, parecem refletir a descida ritual de Tibet a práticas de que hoje não se orgulha, embora as abraçasse apaixonadamente, “por aí fora com a rapaziada de Greewood…”. Será mesmo este o grande poder catalisador deste álbum, um auto exorcismo poético, espiritual e místico, condutor da verdade.
“Spring Sands Dreamt Larks” é uma valsa prog de vanguarda, e uma letra que parece perder algum impacto perante o ritmo e piano obsessivos, mas que constitui uma peça fundamental na compreensão de uma das chaves dos motivos que levaram Tibet a escrever o que escreveu em todo este álbum. A pergunta “Quanto custa uma criança no teu coração?” justaposta ao saxofone free de John Zorn, responde.
Nick Cave vai fechar este I Am The Last Of All The Field That Feel num tema em que Tibet não entra – “I Could Not Shift The Shadow”. Interpretação falada sobre o piano repetitivo de Reinier Van Houdt, que repesca parte do mesmo poema anterior e as mesmas perguntas, questões que ficam em aberto, sob um ulular de coros sussurrados e um saxofone de Zorn ecoado e distante, fraseado de sincero sentimento soprado sobre o custo da areia em Anarch… um fim incaracterístico mas eficaz para um disco novo de David Tibet e Current 93.
Pouco interessa se pessoalmente eu possa ou não ter feito as pazes com a música do grupo; pouco interessa se este disco vai ou não mudar alguma coisa na carreira individual do poeta e cantor de “Imperium” e “Soft Black Stars”. O que mais se torna caro neste exercício reflexivo de mais de uma hora é a própria afirmação de esperança da música alternativa face às outras que a rodeiam (da erudita e clássica, ao lixo de luxo vomitado em enxurrada pelos mitos fritos de Londres a Los Angeles), a sobreposição das boas ideias e da grande chama criativa artística, face a todos os esquemas de fácil absorção que, tal como naves negras escurecem o céu da nossa antiga liberdade de pensamento.
Depois de escutar este novo trabalho dos Current 93 poderemos reafirmar alguma esperança de vida, que felizmente contraria parte do título da obra que anuncia o aluimento de terras em parte incerta. Quanto a Tibet, não será decerto o último de todos, mas neste trabalho está, como diria La Palice, em primeiro lugar. Muito bom regresso e com uma fantástica verve poética como não lhe víamos há anos. Quiçá num futuro próximo possamos falar de CURRENT 93 na ótica do pré e pós “I Am The Last Of All The Field That Feel”.     
Texto:JCS; Photos: AF

sábado, 12 de abril de 2014

Café Europa Radio Show #117, 10-ABR-2014 www.warfareradio.com

01. SPIRITUAL FRONT - "Song For The Old man" (IT) (open wounds - 2013)
02. SPIRITUAL FRONT w/ STEFANO PURI - "I Just Can't Have Nothing" (IT) (black hearts in black suits - 2013)
03. CURRENT 93 - "The Invisible Church" (GB) (i am last of all the field that fell - 2014)
04. CURRENT 93 - "Those Flowers Grew" (GB) (i am last of all the field that fell - 2014)
05. CURRENT 93 - "Kings And Things" (GB) (i am last of all the field that fell - 2014)
06. CURRENT 93 - With The Dromedaries" (GB) (i am last of all the field that fell - 2014)
07. CAMERATA MEDIOLANENSE - "Quest' Anima Gentil" (IT) (vertute, honor, bellezza - 2013)
08. ANTONY AND THE JOHNSONS - "Soft Black Stars" (GB) (i fell in love with a dead boy - ep - 2001)
09. CURRENT 93 - "The Heart Full Of Eyes" (GB) (i am last of all the field that fell - 2014)
10. CURRENT 93 - "Mourned Winter Then" (GB) (i am last of all the field that fell - 2014)
11. CURRENT 93 - "And Outo PickNickMagik" (GB) (i am last of all the field that fell - 2014)
12. CURRENT 93 - "Why Did The Fox Bark?" (GB) (i am last of all the field that fell - 2014)
13. FIRE AND ICE - "Treasure House" (GB) (fractured man - 2012)
14. DEATH IN JUNE - "The Maverick Chamber" (GB) (peaceful snow - 2010)
15. CURRENT 93 - "I Remember The Berlin Boys" (GB) (i am last of all the field that fell - 2014)
16. CURRENT 93 - "Spring Sand Dreamy Larks" (GB) (i am last of all the field that fell - 2014)
17. CURRENT 93 - "I Could Not Shift The Shadow" (GB) (i am last of all the field that fell - 2014)
18. MARC ALMOND w/ MICHAEL CASHMORE - "Boy Caesar" (GB) (feasting with panthers - 2011)
19. HORUS CHAMBER - "Omnibus" (PT) (não editado)
David Tibet (Current 93)

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Café Europa Radio Show #116, 03-ABR-2014 www.warfareradio.com

01. JOY DIVISION - "Warsaw" (GB) (an ideal for living e.p. - 1978)
02. JOY DIVISION - "Leaders Of Men" (GB) (an ideal for living e.p. - 1978)
03. VON THRONSTHAL - "We Walked In Line" (GER) (bellum, sacrum bellum!? - 2003)
04. JOY DIVISION - "Ice Age" (GB) (heart and soul - 1997)
05. GARDEN OF DELIGHT - "Dead Soul" (GER) (heaven and hell - 1996)
06. JOY DIVISION - "New Dawn Fades" (GB) (unknown pleasures - 1979)
07. XIU XIU - "Ceremony" (USA) (chapel of the chimes e.p.- 2002)
08. JOY DIVISION - "Sound Of Music" (GB) (still - 1981)
09. KENDRA SMITH - "Heart And Soul" (USA) (v.a. a means to the end - 1995)
10. MISIA - "Love Will Tear Us Apart" (PT) (ruas - 2009)
11. SIEBEN - "Transmission" (GB) (no less than all - 2011)
12. JOY DIVISION - "Atrocity Exhibition" (GB) (closer - 1980)
13. JOY DIVISION - "Novelty" (GB) (heart and soul - 1997)
14. GALAXIE 500 - "Ceremony" (USA) (on fire - 1989)
15. NAEVUS - "The Only Mistake" (GB) (others - 2013)
16. TORTOISE - "As You Said" (GB) (v.a. a means to the end - 1995)
17. JOY DIVISION - "Komakino" (GB) (heart and soul - 1997)
18. JOY DIVISION - "Twenty Four Hours" (GB) (closer - 1980)
19. CLAN OF XYMOX - "Decades" (NED) (kindred spirits - 2012)
20. KIRLIAN CAMERA - "The Eternal" (IT) (solaris - the last corridor - 1995)
21. JOY DIVISION - "Shadowplay" (GB) (heart and soul - 1997)
22. JOY DIVISION - "Chance (Atmosphere)" (GB) (heart and soul - 1997)
23. HONEYMOON STITCH - "Day Of The Lords" (USA) (v.a. a means to the end - 1995)
24. BLOOD AXIS - "Walked In Line" (USA) (ultimacy - 2011)
25. JOY DIVISION - "Insight" (GB) (heart and soul - 1997)
26. JOY DIVISION - "I Remember Nothing (Live)" (GB) (heart and soul - 1997)
27. SWANS - "Love Will Tear Us Apart (Accoustic)" (USA) (love will tear us apart -  e.p. - 1988)


SIEBEN
 Photos by A.F.
NAEVUS