segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Café Europa Radio Show #134

01. STRYDWOLF - "Blauer Himmel" (HOL) (lieder vom traum und tod - 2013)
02. TRAUM'ER LEBEN - "Geheimnis Der Kleinen Dinge" (GER) (… was wird bleiben - 2013)
03. THE GREEN MAN - "Blindness is Bliss" (IT) (musick without tears - 2012)
04. FORSETI - "Dunkelheit" (GER) (erde - 2004)
05. EGIDA AUREA - "Storia Di Una Rondine" (IT) (storia di una rondine - ep - 2007)
06. ATARAXIA - "La Reine Des Hommes Aux Yeux Verts" (IT) (spasm - 2013)
07. ORDO EQUITUM SOLIS - "Tomorrow" (FR/IT) (killing time killing love - 2013)
08. DAEMONIA NYMPHE - "Psychostasia" (GRE) (psychostasia - 2013)
09. IANVA - "Alta Via" (IT) (la mano di gloria - 2012)
10. TEARS OF OTHILA - "Standing On The Ruins" (IT) (way to traditions - 2013)
11. DUNCAN EVANS - "Girl On The Hill" (GB) (lodestone - 2013)
12. THE LINDBERGH BABY - "Nothern Skies" (USA) (hoodwinded - 2007)
13. DIES NATALIS - "Seventh Seal" (GER) (the brigth and the pure - 2004)
14. TELLING THE BEES - "Wood" (GB) (v.a. -  john barleycorn reborn: rebirth - 2011)
15. THE STORY - "All Hallow's Eve" (GB) (v.a. -  john barleycorn reborn: rebirth - 2011)
16. CLIVE POWELL "Ca The Horse, Me Marra" (GB) (v.a. -  john barleycorn reborn: rebirth - 2011)
17. ROME - "In A Wilderness Of Spite" (LUX) (a passage to rhodesia - 2014)
18. ROME - "Bread And Wine" (LUX) (a passage to rhodesia - 2014)
19. ROME - "The Past Is Another Country" (LUX) (a passage to rhodesia - 2014)
ROME
Photo by: AF

domingo, 21 de setembro de 2014

Café Europa Radio Show #133, Interview w. Gerhard Hallstatt (Allerseelen) @ Entremuralhas'14

01. THE JOY OF NATURE - "The Girl With The Razor Waiting By The Sea" (PT) (two leaves left - 2014)
02. THE JOY OF NATURE - "The Locked King" (PT) (two leaves left - 2014)
03. THE JOY OF NATURE - "The Boy With The Gun Waiting By The Sea" (PT) (two leaves left - 2014)
04. SAGITTARIUS - "Musa" (GER) (v.a.mit fester hand - 2011)
05. ALLERSEELEN - "Edelweiss" (AUT) (edelweiss - 2005)
06. GERHARD HALLSTATT (ALLERSEELEN) interview w. CAFÉ EUROPA part I
07. ALLERSEELEN - "Feuervogel" (AUT) (stirb und werde - 1999)
08. ALLERSEELEN - "Auf Alten Seltnen Wegen" (AUT) (hallstatt - 2007)
09. GERHARD HALLSTATT (ALLERSEELEN) interview w. CAFÉ EUROPA part II
10. ALLERSEELEN - "Gondelwerkstatt" (AUT) (venezia - 2001)
11. ALLERSEELEN - "Die Klänge" (AUT) (rauhe schale - 2010)
12. ALLERSEELEN - "Cordon Dorado" (AUT) (edelweiss - 2005)
13. DER ARBEIT - "Flama" (ARG) (v.a.mit fester hand - 2011)
14. CHANGES - "Don Quixote" (USA) (men among the ruins - split w. Allerseelen - 2006)
15. DARKWOOD - "Caucasian Tales" (GER) (ins dunkle land - 2009)
16. DARKWOOD - "Silence At Night" (GER) (schicksalsfahrt - 2013)
17. TERRA OCA - "Dark Chaos" (PT) (v.a. dark ambient vol. 4 - 2012)
18. THE LEGENDARY PINK DOTS - "Chemical Playschool 16 Part 1"(GB/NED) (chemical playschool volumes 16 & 18 - 2014)
Chegados ao terceiro dia do Entremuralhas, depois de uma muito bem conseguida jornada na véspera, estes vossos repórteres de serviço ao Café Europa estavam mais que motivados para os três concertos do cartaz que mais diretamente lhes diziam respeito, no cumprimento isento das suas funções. A saber: os Darkwood, os resilientes Legendary Pink Dots e, mais especificamente, o dos austríacos ALLERSEELEN. Depois de outra prestação memorável, apenas comparável à de Andrew King no dia anterior, e após uma boa meia hora de descanso dos artistas, subimos de novo à ala da varanda Real do Castelo de Leiria, a única vez nesta edição do Entremuralhas. No ano anterior tínhamos aí entrevistado Lloyd James dos Naevus, assim como os italianos Roma Amor. Recolhidos nas salas adjacentes, pela simples razão de que as mesas aí existentes em 2013, tinham sido retiradas, escolhemos a vista sobre Leiria, junto a uma das janelas envidraçadas, com dois bancos de pedra em cada lado.
Allerseelen
Connosco estavam Gerhard Hallstatt e a sua nova secção rítmica nos ALLERSEELEN, a baterista Kriestin e a baixista Noreya. Logo que sentados em bancos de espuma de uma conhecida marca de cidra, os mentores desta entrevista praticamente saltaram para esta conversa com o autoproclamadamente galante gesto de primeiro salientar e apresentar as novas integrantes dos ALLERSEELEN. Risos e piadas à parte, mesmo que o ridículo da situação desse mote de boa disposição, relembrámos apenas o nosso percurso de conhecimento da música dos ALLERSEELEN, desde os tempos de uma anterior encarnação do Café Europa, em que descobríamos nas compilações “The Pact” um velho tema de 1999, e anos mais tarde, já no século XXI, nos reencontrássemos perto de Sintra, no auditório do Museu Etnográfico de São Miguel de Odrinhas, para a apresentação ao vivo do duplo álbum “Flamme”, disco marcante na totalidade da discografia do grupo. A partir dessa noite de 1º de Novembro de 2003, os futuros membros do Café Europa encetaram um longo trabalho de pesquisa, focado sobretudo na recuperação do catálogo de fundo da discografia ALLERSEELEN. Há três anos, Gerhard esteve em Aveiro, acompanhando os Àrnica num inesquecível concerto numa conhecida sala no centro da cidade, passagem que ficou marcada também pela calorosa saudação dos intervenientes. Cem anos depois dos factos de guerra, parece que nos continuamos a encontrar “on the road”.
Avançando para as questões, parece que os ALLERSEELEN refrearam recentemente o seu ímpeto de lançamentos que caracterizou grande parte da primeira década de 2000 – o último de originais, “Rauhe Schale” foi já lançado em 2010! Estaremos já próximos de ter notícias dos ALLERSEELEN na frente de gravação? Gerhard confirma que têm estado muito ocupados com trabalhos de estúdio para o próximo disco de originais que deverá sair em 2015, com o título de “Terra Incognita”, e para o qual já gravaram sete temas, faltando trabalhar em três mais, que estarão prontos no outono ou inverno, O lançamento está previsto para a primavera ou final da primavera do próximo ano.
A nova secção rítmica será uma das novidades absolutas em gravações de estúdio com os ALLERSEELEN; o baixo de Noreya já está misturado nos temas gravados, faltando agora a gravação dos tambores de Kriestin; no passado, os registos do grupo usavam outro tipo de percussão e vai ser necessário incorporar o som dos tambores na sua sonoridade característica. Para eles tem sido um novo passo e um desafio, assim como o será para o ouvinte de ALLERSEELEN. Uma aventura, já que o grupo começou há muitos anos como um projeto solo; Gerhard confessa que sempre foi muito individualista, no modo de fazer muitas coisas só à sua maneira. No decurso do tempo, enquanto se processavam mudanças, fazer digressões com pessoas reais (assim como gravar discos) torna-se algo de muito próximo, conhece-se melhor as pessoas, mas essa mudança pode estar de acordo com o título do próximo álbum – ainda é tudo “Terra Incognita”. Não é como se os ALLERSEELEN estivessem a fazer a mesma coisa há anos – e remete-nos a questão – estivemos a vê-los há onze anos, em Odrinhas, e pode-se constatar que este final de tarde, musicalmente, foi completamente diferente. Daí ele mesmo estar curioso em relação a como o novo álbum soará, e assim sucessivamente, o que o motiva a questionar-se como soarão daqui a três ou dez anos.
Aqui impõe-se a questão sobre este recente recrutamento de uma secção rítmica inteiramente no feminino. A baixista Noreya revela que se juntou ao grupo em Junho de 2012, seguida de imediato pela baterista Kriestin. Não restando dúvidas sobre o facto de a música dos ALLERSEELEN ter sido sempre muito rítmica, e escutar duas mulheres construindo a base dessa mesma música, surge como uma boa surpresa – e bem o provaram no palco das ruínas da Igreja da Pena. Noreya não o considera exótico para si, dado estar habituada a tocar anteriormente em bandas que tanto iam do jazz ao death ou black metal. Parece-lhe que enquanto mulher, nada de peculiar encontra no facto de tocar material rítmico forte em palco; e Kriestin partilha também desta opinião, acrescentando que em palco está sobretudo a cumprir o seu dever de trabalho com a banda e antes tocou igualmente em bandas semelhantes às referidas pela baixista, portanto nada de surpreendente nessa perspectiva. Em relação ao som ALLERSEELEN, gosta mesmo de, após algumas canções entrar na atmosfera e ficar numa espécie de transe. Há seis anos que conhece a música de Gerhard, que encontrou pela primeira vez na Holanda e sendo ambos austríacos, estabeleceu-se um elo entre si e fê-la interessar-se mais por ALLERSEELEN e daí passaram-se a encontrar com mais frequência até que se juntou ao grupo.
Voltando à conversa com Gerhard, tendo em conta os lançamentos recentes mais marcantes, como por exemplo “Hallstatt”, “O Barco do Vinho” e “Rauhe Schale”, será que os devemos considerar discos de transição, tendo em conta não só a sua fase mais primitiva de sonoridades mais experimentais, como também a obra “Flamme”, talvez o disco de transição mais eficaz da sua discografia? “Flamme” foi um disco muitíssimo inspirado pela Península Ibérica – nessa altura estava a passar algum tempo em Espanha e isso perpassou para a música, sendo definitivamente o disco mais hispânico dos ALLERSEELEN.
Allerseelen w Cafe Europa
É um pouco como páginas de um diário. “Hallstatt” refere-se concretamente ao topónimo da vila do mesmo nome, donde Gerhard sublinha a manifestação folclórica ancestral dos crânios pintados com flores, local de grande beleza geográfica onde passou parte da infância e onde tematicamente reuniu temas de infância, a morte, muito folclore, numa combinação muito pessoal. Mas sobretudo muito folclore. Já “Rauhe Schale” espelha o seu amor pelas montanhas e pelas paisagens altas e selvagens, tal como algumas que encontrei em Portugal, e espero muito breve revisitar esses belíssimos lugares a que os penafidelenses Sangre Cavallum gostam de chamar de “Pátria Granítica”, por isso a transcrição física de “Rauhe Schale” pode ser lida como um conceito de exterioridade, simbolicamente como se uma pessoa aparentasse ser extremamente dura por fora mas que por dentro tem um núcleo, um coração que é suave.
Kriestin e Noreya acrescentam que também acham o nosso país interessante embora talvez parecido com Espanha, apesar de as pessoas serem diferentes, para lá da língua; em Espanha são capazes de entender algumas palavras das frases em Espanhol mas connosco é mais difícil. Sublinhamos que na essência as diferenças linguísticas não são assim tão gritantes, talvez que os Portugueses tenham um acento bem mais suave e discreto que os Espanhóis que são mais extrovertidos na sua comunicação oral, falando mais, mais alto e mais rápido que nós. De resto, estas impressões não serão de admirar uma vez que ao cabo de uma semana de permanência no nosso país ainda seja cedo para alguém realizar bem as características culturais e anímicas de um povo, cada vez mais diluídas na diversidade cultural e étnica que quem nos governa tão acerrimamente defende, sabe-se lá em nome do quê!
Voltando à conversa, e já que Gerhard falou dos “nossos” Sangre Cavallum, a propósito de colaborações, estão previstas mais algumas para breve? No momento, não há para já planos para mais colaborações por isso têm tentado concentrarem-se ao máximo nas gravações enquanto ALLERSEELEN, mas há, no entanto, planos para reeditar uma gravação que está intimamente ligada à passagem por São Miguel de Odrinhas em Sintra, o há muito esgotado e lendário ep “Pedra” lançado em 2003 pela nacional Terra Fria, só que agora acrescido de mais alguns temas novos, em parceria com alguns membros de outras bandas conhecidas, mas não será uma compilação, antes um lançamento em nome de ALLERSEELEN mas com a colaboração de membro de grupos como os Changes – Gerhard confessa a sua admiração pela voz de Robert N. Taylor - em pelo menos dois temas. Sublinha que é uma altura de abertura para a essência do som ALLERSEELEN, havendo mais gente envolvida, com o acréscimo de baixo e guitarra, violino, e de de vez em quando, algumas guitarras elétricas. Aproveitamos para saudar o regresso de Robert à Europa e ao convívio das bandas folk europeias.
Allerseelen
Voltando um pouco atrás no tempo, em que ALLERSEELEN eram sinónimo de música ambiental ctónica, foi aí que começou a desenvolver-se a técnica característica de samplar pedaços de música orquestral diversa e combiná-los de forma completamente nova e imprevisível. Olhando para trás, parece que o seu trabalho, assim como de outras bandas compatriotas austríacas como Albin Julius e os Der Blutharsch ou Jürgen Webber e os Novy Svet, parece que as bandas oriundas do seu país se submeteram a um processo engenhoso de criarem novas vias para melhorar o método do ready-made. Perguntamos se ele tem essa consciência de ter sido não um pioneiro mas um inovador nessa forma de produzir a moderna música popular na Europa. Curiosamente, Gerhard parece perscrutar-nos com os olhos a propósito desta questão, o que nos leva a rematar em jeito de esclarecimento da questão, que a citação se define pelo autêntico estabelecimento de uma espécie de triângulo musical austríaco que se desenvolveu a partir dos meados da década de 90 do século passado. De repente, a sua reação denota que a nossa pergunta não tem agendas escondidas e concorda inteiramente com essa noção pretérita de triângulo de música moderna na Áustria – se calhar ainda o será. Refere que de vez em quando ainda encontra Albin mas quanto a Jürgen Webber, revela que ele desapareceu de cena. Relembramos aquele como outro austríaco fascinado pela Ibéria e pela Espanha ao que Gerhard contrapõe que não só a Ibéria mas sim toda a expressão românica, que se aplica inclusive a alguns povos eslavos, concretamente nesse conceito de destino (afinal de contas, pensamos nós, outra extensão da nossa ideia de Fado). Ele próprio ainda tem algum sangue eslavo e os ALLERSEELEN têm um pouco mais de dificuldade em se inserir nessa veia do destino, mas nunca se demitem de visitar a Europa de Leste, onde têm tocado um pouco por toda a parte. De resto Gerhard acha curiosos que sob o ponto de vista Português, os vejamos aos três como um triângulo de influências; aliás, reforça que apesar dessa diferença, não vê aí qualquer contradição. A essência do espírito musical de ALLERSEELEN sempre teve a ver com zonas remotas dos países, quer sejam numa zona de aldeias serranas em Portugal, ou qualquer aldeia perdida nos Alpes italianos, ou nalguma distante zona rural na Bulgária. Nunca viu grandes diferenças culturais, folclóricas e tradicionais em terras e gentes como estas que refere. Sempre aí encontrou gente a amar a sua terra, portanto a Cultura, a Natureza, e é por isso que um dos seus grupos favoritos de Portugal são os Sangre Cavallum, dos quais espera ver em breve algo de novo editado.
Allerseelen
Quais são os seus sentimentos em relação ao cruzamento de uma abordagem mais telúrica presente na sua música, com um o uso de material digital atual, dentro do contexto de uma filosofia neotradicionalista? Haverá aí algumas contradições em termos formais ou conceptuais aí? Gerhard responde que o que mais há de excitante neste tipo de música serão as contradições, porque se alguém ou alguma banda segue uma linha única e inalterável de criação, vai entrar em rota de contradição com a natureza humana, que nunca é unidimensional –é pelo menos tridimensional, e isso sabe-o através da sua música e pelos seus acompanhantes. Todos têm interesses diversos e por vezes é quase como se dentro de cada um houvesse três ou quatro pessoas diferentes e usam essa quase desordem de múltipla personalidade para criar música. É sempre útil para o músico aproveitar essas mesmas contradições, como por exemplo os pontos de vista masculino e feminino. Aproveitando a deixa, fica a pergunta se será possível em breve que as novas recrutas nos ALLERSEELEN também dêem o seu contributo de composição? Noreya refere que de momento ainda não se proporcionou mas nunca se deve dizer nunca. Esta ideia parece-nos tão mais significativa, dado ser este outro período transicional na vida e música dos ALLERSEELEN. Gerhard concorda, acrescentando que tudo se inclui num processo constante de inspiração emanado das pessoas e dos locais onde vão tocando, tal como por exemplo se sente inspirado até pelas perguntas que lhes fazemos. Há dois anos ainda não faziam ideia como o futuro álbum “Terra Incognita” soaria junto das pessoas, mas hoje tiveram a oportunidade de o confirmar e por isso estão mais confiantes sobre o futuro.
Gerhard Hallstatt (Allerseelen) w Cafe Europa
Já que falámos nos Sangre Cavallum, parece óbvio que a experiência musical no álbum “O Barco do Vinho” foi mesmo muito bem-sucedida; mais tarde, sucedeu o mesmo com os norte-americanos Blood Axis no duplo álbum “Born Again”; na sua opinião, o que se passará com essa banda Portuguesa e com a sua base geográfica, que parece ser tão aliciante para projetos internacionais colaborarem com eles? Com os Sangre Cavallum, Gerhard partilha o amor pela pré-história, pelas paisagens rurais e montanhosas arcaicas, assim como naturalmente pela simpatia pessoal e por isso tratou-se de uma colaboração deveras interessante, traduzida pelo acabamento final de “O Barco do Vinho”. Refere ainda as viagens pelas zonas de interesse monolítico à volta de Penafiel e nas restantes paragens do Norte de Portugal, onde viu os seus favoritos espigueiros e onde também encontrou Johann Aernus dos Karnnos, todos boa gente pelos quais adorou conhecer melhor essas paragens portuguesas, e onde decidiram fazer um trabalho conjunto inspirado pelo vinho. Viajou também pelo Sul, nomeadamente no Alentejo, onde visitou os cromeleques de Almendras, embora não conhecesse tanto como a norte, mas gostou bastante. E no decurso desta conversa, Gerhard relembra que em princípio iá regressar a Portugal já em Novembro, de novo com os amigos hispânicos Àrnica, e de novo na cidade do Café Europa, na mesma sala junto à ria, onde já atuaram em conjunto. A segunda boa razão para regressar a Portugal é o convite que teve de amigos em Colares, Sintra, para fazer uma exposição das suas fotografias numa galeria, fotografias essas subordinadas ao tema da ferrugem, uma das suas palavras de sonoridade favorita na língua portuguesa. São fotos relacionadas com a estação outonal, focando paisagens que conotam a ideia de ferrugem por analogia com os tons de outono.
Darkwood
Voltando aos lançamentos de discos, cada vez que os ALLERSEELEN lançam uma compilação, sugerem deveras sentir um grande respeito pelo ouvinte e combinam o alinhamento dessas mesmas coletâneas de uma forma que mais parece um novo álbum, repescando não só os temas fulcrais de álbuns que marcaram uma época, mas indo buscar material esquecido ou até mesmo inédito. Não é comum tal atenção e parece ser o sinal de uma mente engenhosa. A sua escolha variada deriva do facto de ser muito autocrítico com as suas canções, ou de ter uma canção que mesmo arredada no tempo teve uma mistura com pormenores interessantes e por isso merece figurar entre outras menos conhecidas, eliminando a possibilidade para outras das quais não gosta assim tanto. Relembramos o caso do álbum “Cruor”, que aparece na listagem oficial como uma compilação de material antigo, mas o qual na altura da sua reedição em vinil parecia mais um disco de originais. Gerhard admite gostar mais da versão em cassete, por ser mais pura; era uma recolha baseada nas gravações em cassete, mas somente o formato em fita mantinha essa essência mais tradicional. De qualquer modo está longe de ser uma das suas preferências em relação ao seu trabalho propriamente dito. Já em relação a “Edelweiss”, aponta para material bem mais novo, feito com uma inspiração italiana, mas não deixa de ser uma compilação. Aos nossos olhos e ouvidos, todos estes discos acabam por ganhar um estatuto próprio que lhes confere um estatuto de álbum e não de mera recolha de material avulso ou previamente editado. Uma marca de água dos ALLERSEELEN.
The Legendary Pink Dots
Photos by : AF
Interviews Photos by: JV
Mudando mais uma vez de assunto, e a propósito de uma experiência pessoal em tempos realizada numa viagem ao castelo cátaro de Montségur no Sul de França, na região de Ariège, relatamos o nosso interesse em descobrir os escritos do investigador alemão Otto Rahn, os quais posteriormente acabámos por comparar aos de Gerhard, nomeadamente na recolha dos cadernos Aorta que viu a luz da publicação, sob a forma do livro Blutleuchte. Nessa altura chegámos à conclusão de que ele poderia muito bem-estar qualificado para seguir em frente escrevendo na mesma veia e áreas temáticas que o malogrado oficial da Ahnenherbe, capaz de dar seguimento aos temas da Tradição que permanecem ocultos para grande parte da consciência europeia. Vai haver sucessor para Blutleuchte? O seu plano é o de um dia publicar os seus diários de viajem – uma vez que é essencialmente um músico viajante, dá-se ao trabalho de estar sempre a tomar notas sobre os sítios por onde passa, e daí que talvez inclua também algumas das suas fotografias, ou mesmo um cd, para completar um gesamt kunstwerk agradável sob todos os ângulos, combinando texto, música e fotografias. Mas deverá ainda levar algum tempo – de momento está mais interessado em somente gravar música; ainda gosta de escrever mas presentemente a música é o seu grande prazer.
E para encerrar esta longa conversa, uma questão final para as duas mulheres da secção rítmica – o que acham do Castelo de Leiria, do festival, do concerto e concretamente da organização da Fade In; Kriestin confessa gostar imenso deste castelo e quando soube que aí tocaria ficou bastante bem impressionada, e ainda mais quando tomou conhecimento in loco do local exato do concerto – as ruínas da Igreja da Pena, que achou maravilhosa. Quanto à organização, foi boa – é gente sempre muito ocupada, trabalhadora, mas permanecem tranquilos, uma qualidade que realmente aprecia, são muito prestáveis, fornecendo sempre as informações a tempo e mostrando que estão sempre lá para apoiar os músicos em tudo aquilo que desejarem. Noreya concorda, dizendo que estão na verdade a fazer um bom trabalho e que o podem continuar a fazer por mais dez ou vinte anos. Adora castelos antigos por formação profissional, já que é também historiadora e arqueóloga, e os castelos medievais são, para ela, fundamentais, porque os tem de visitar por toda a Europa. Por isso é como regressar a casa!
Fica então a hipotese de revermos os Allerseelen a 15 de Novembro em Aveiro na sala que Gerhard referiu durante a entrevista, num concerto em que se reunirá aos Àrnica, repetindo a façanha de há três anos. Neste longo rescaldo do festival Entremuralhas, terminado já há praticamente três semanas, ficam as memórias dum excelente concerto e entrevista com os lendários ALLERSEELEN.













domingo, 14 de setembro de 2014

Café Europa Radio Show #132, Interview w. Andrew King @ Entremuralhas'14

01. ERMO - "Sem titulo" (PT) (ermo e.p. - 2012)
02. ERMO - "Destronado" (PT) (ermo e.p. - 2012)
03. ERMO - "Pangloss" (PT) (vem por aqui - 2013)
04. DUO NOIR - "Have You News OfMy Boy Jack?" (GB) (sintra - 2010)
05. DUO NOIR ( (w. Paulo Rinhonha as speaker) - "Recessional" (GB/PT) (sintra - 2010)
06. ANDREW KING - "Interview w. Café Europa - Part 1"
07. ANDREW KING - "Cruel Lincoln"(GB)(the amfortas wound - 2003)
08. ANDREW KING - "Froleichen So Well Wir" (GB) (7" split w/blood axis - 2010)
09. THE TRIPLE TREE - "The Ghosts Of England" (GB) (ghosts - 2008)
10. ANDREW KING - "Interview w. Café Europa - Part 2"
11. ANDREW KING - "Corvus Terrae Terror" (GB) (deus ignotus - 2011)
12. ANDREW KING - "The Three Ravens" (GB) (deus ignotus - 2011)
13. ANDREW KING - "Judas" (GB) (deus ignotus - 2011)
14SIEBEN - "Vonnegut" (GB) (no less than all - 2011)
15. ROME - "Lullaby ForGeogie" (LUX) (a passage to rhodesia - 2014)
16. SPIRITUAL FRONT - "I Just Can't Have Nothing" (IT) (black hearts in black suits - 2013)
17. NAEVUS - "Beth Gellert" (GB) (others - 2013)
18. ONIRIC - "The Echoes Of The Sky" (IT) (cabaret syndrome - 2009)
19. DEATH IN JUNE - "All Pigs Must Die"(GB) (live in wien - 2012)
ANDREW KING w. CAFE EUROPA 
Café Europa com Andrew King
Lançámos a questão acerca da dificuldade inicial de qualificar os primórdios musicais de Andrew King, de forma a ser útil para os interessados na sua música. King rapidamente fez o retrato do passado, desde a sua estreia na compilação Aum, organizada por Tony Wakeford, com “The Hobby Horse on Mayday in Minehead”, e depois com a sua ligação a Andrew Trail, dos Knifeladder. Os tempos que dariam origem ao primeiro álbum, “The Bitter Harvest” tiveram lugar antes da explosão da banda larga e portanto as dificuldades em licenciar material tradicional da sua origem eram bastantes. A sua parceria com Trail levou-o ao conhecimento de outro elemento dos Knifeladder, Hunter Barr, encontrando assim a hipótese de gravar num estúdio, mesmo que limitado.
Na realidade, “The Bitter Harvest” foi gravado num velho 4-pistas de cassetes de crómio, com um som que obviamente traduz a rudimentaridade do processo. A World Serpent Distribution de David Gibson e Alan Trench não quis distribuir o álbum na altura e “The Bitter Harvest” acabou lançado e distribuído pela Epiphany. Poucas faixas foram alvo de multi-tracking ou de overdubs, pelo que no geral, King também o considera um disco fraco e incipiente. Há no entanto um valor intrínseco nesse trabalho, sobretudo na forma como a tradição oral é tingida de tons industriais, com drones intemporais que conduzem a uma intensa mostra de força. Mesmo assim os seus detratores consideram-no como um primeiro falhanço na afirmação definitiva do nome de Andrew King. Mas, numa visão retrospetiva, essas gravações hoje em dia, parecem fazer todo o sentido. King admite que não teria chegado até ao álbum seguinte, “The Amforta’s Wound”, sem todo esse caminho de aprendizagem. Teria sido melhor não o lançar? Nesse caso, teria sido de imediato reconhecido com um trabalho de calibre, já com algum conhecimento dos meandros das gravações e possivelmente teria tido a oportunidade de regressar a alguns temas de “The Bitter Harvest”.
A via musical de Andrew King cedo revelou habilidade para sintetizar o dark-folk tradicional e a veia mais industrial/ambiental, levando este cruzamento mais além que outros dos seus correligionários, como os Sol Invictus ou os Blood Axis. De certo modo, é uma afirmação de nunca estar disposto a imitar alguém e de seguir um caminho seu – teria sido esta também a sua motivação aquando da sua passagem pelas Belas Artes, ou nas suas palavras, pelas Artes Visuais?
Em Inglaterra, as artes visuais estão dominadas pelo marketing, não importando se se é bom ou mau, o que interessa é o que se pode fazer para melhor se vender. Andrew King passou por uma escola superior de artes muito conceptual que visava levar os seus alunos a pertencerem ao que se denominou Brit Art, mas a qual falhava no ponto de indicar o modo como o artista se deveria inserir no mercado, daí julgar que o meio musical é mais honesto que o da arte visual. 

ANDREW KING @ Entremuralhas'14
Em relação aos Estados Unidos, onde Andrew King realizou duas exposições a solo, concluiu que não são tão condicionadores das artes visuais, no sentido em que aceitam os artistas que acreditam no que estão criando. O lado negativo é que se trata de um mercado antiquado e de que o valor de algo pintado depende muito de ser a preto e branco ou a cores, ou de ser grande ou pequeno. E uma vez que ele produz peças pequenas e a preto e branco, isso tornou-se um problema e tornou-se caro fazer a própria exposição; nas Ilhas Britânicas, a sua arte simplesmente não encaixou. Daí que se tenha focado na música, porque aí pelo menos as pessoas querem saber o que se está a passar. Felizmente que o livro sobre as suas pinturas veio criar de novo algum interesse, mas mesmo isso não lhe terá renovado as esperanças de ser reconhecido nos meios das artes visuais. 
Para o leigo, vagamente interessado nos mestres da pintura como Bosch, William Blake ou Edvard Munch, é possível encontrar pontos de referência. Será Andrew King, enquanto artista, capaz de reconhecê-las e usá-las como motivação estética, ou de certa forma, como processo alquímico que iluminaria os caminhos desse mundo simbólico que expressou. Com efeito, King admite que ambas hipóteses são verdadeiras e o mesmo se aplica à música. O processo pode durar semanas ou anos; as coisas não acontecem assim da noite para o dia. As influências circulam em ambos os meios de expressão e sente-se por isso muito contente por as reconhecer. Evita contudo ser demasiado óbvio, a menos que seja por pontos específicos que tenham ou devam ser assumidos.
Quisemos ainda questionar Andrew King sobre a sua tendência monocromática nas pinturas que incluiu no livro “Emblematic Paintings”. Caso para dizer que por vezes criados efeitos luminosos que parecem sugerir cores pastel por entre os traços. King ri-se e afirma que são predominantemente escalas de cinzento, sombreadas. No entanto, não se coíbe de referir a pintura que veio a ser a capa do álbum “The Amfortas’ Wound” – enquanto usava um “xis-ato” no manuseamento das tintas, cortou-se e algumas gotas de sangue espalharam-se no centro do quadro. Pensando que isso era algo predestinado a acontecer, deixou-as ficar, tendo-se tornado depois acastanhadas. Tudo por acidente.                       

ANDREW KING @ Entremuralhas'14
Mudando de assunto, focámos de seguida a nossa conversa nas várias colaborações que Andrew King desenvolveu desde 1998; algumas com bandas líderes do movimento Neo-Folk, mas outras também menos ortodoxas como os franceses Les Sentiers Conflictuels e os britânicos Brown Sierra. Tal rácio de colaborações é digno do Guiness Book Of Records. Quisemos saber com essas colaborações tomaram forma – em estúdio ou simplesmente através das facilidades da internet. No que diz respeito ao disco “1888” com os Les Sentiers Conflictuels, Andrew e Philippe nunca se tinham visto e isso não foi planeado, foi apenas o decurso natural dos factos. A troca de registos aconteceu durante os primórdios da banda larga e a quase totalidade da música desse álbum é da autoria do francês; King só vocalizou e deu sugestões de acabamentos estéticos, nomeadamente no uso de gravações de época, feitas ainda nos cilindros de cera inventados por Thomas Edison. Andrew King gostaria de levar ao palco o álbum “1888”, tal como aconteceu com “Absinthe” dos Les Joyaux De La Princesse com os Blood Axis, mas esse tem sido um plano já com alguns anos e ainda não houve oportunidade para tal, sendo um registo em tudo semelhante e propício a um acontecimento ao vivo, embora não haja qualquer certeza de que acontecerá. Aliás, a referência a este estranho mas marcante álbum suscita a nossa próxima questão: sendo King um nome ligado ao Dark-Folk novo-tradicionalista nunca teve problemas em usar abundantemente drones industriais como pano de fundo. Nesse caso até que ponto o ruído gerado eletronicamente se poderá misturar com uma visão neotradicionalista do Mundo? King diz que tudo depende – as canções acompanham o ritmo e a métrica da língua em que estão escritas, e no seu caso isso não lhe permite construir uma canção baseada em batidas repetitivas. Salienta o caso de “Judas” do álbum “Deus Ignotus“ que considera algo repetitivo, mas na qual consegue tecer uma narrativa à sua volta. Para si, qualquer tipo de eletrónica constrange o texto e isso ele evita-o. O texto tem que ser supremo. Daí que, sim, estabelece limites para aquilo que é simplesmente incompatível, algo que por vezes só se vem a saber já dentro estúdio. Nesse pé, seria então possível que, ainda que remotamente, as texturas ruidosas de nomes clássicos como Throbbing Gristle ou SPK (dos quais fez parte o próprio John Murphy, que acompanha King ao vivo) pudessem de algum modo tê-lo influenciado? Obviamente, o conceito de que musicalmente, qualquer coisa há de funcionar, foi muitíssimo libertador para a sua geração, e ter alguém como Murphy a tocar tambores para si representa um largo bocado da história. O potencial musical de um baterista como John Murphy tem por vezes de ser refreado e é por isso que lhe lembra que em certos momentos menos é mais. Se Murphy usasse sempre toda a sua versatilidade rítmica, acabaria por distraí-lo ao vivo. Nalgumas peças como em “The Stripping of the Altars” em que não há um ritmo específico, e outras com sonoridade mais abstrata, essa questão não se põe, mas nos temas com o harmónio em que um certo ritmo que ser mantido tem que lhe exigir que toque menos, o que é de facto um tremendo desperdício, para tão grande músico. Mas ele compreende como as coisas funcionam. Quando fizeram a digressão com os Blood Axis, John Murphy tocava nos dois sets, e os Blood Axis deixavam-no soltar-se, improvisar, o que o levava a pensar que não usufruía o suficiente dos seus préstimos enquanto músico. Andrew King não se vê como um músico, mas antes como um vocalista. Alguém que canta, e se permitisse que John Murphy soltasse toda a sua garra, acabaria por desconcentrá-lo.
Foi preciso esperar cinco anos para lançar o segundo álbum “Amfortas’ Wound”; será esta a derradeira afirmação da qualidade sobre a quantidade? Habituar os ouvintes a longos intervalos entre lançamentos de discos de originais? Obviamente que ficou contente com o som desse álbum, ao passo que, como virmos o primeiro era ainda um disco de aprendizagem. Havia uma audiência que visivelmente respeitava esse segundo álbum. O neo-folk tornou-se um género muito abrangente, sem fazer crítica a isso, mas muitas bandas o que fazem são canções simples e acústicas. Daí que King ficasse feliz por trazer um pouco do seu conhecimento académico especializado para dentro da cena, e por as pessoas ficarem interessadas, o que lhe custou um pouco, dado que certos invejosos lhe levantaram problemas para trazer esse input para a cena. Quanto à exigência que deriva dos intervalos entre lançamentos, existe de facto uma preocupação com o controlo de qualidade, e se isso implica longos períodos de tempo, que assim seja. O espaço entre “ The Bitter Harvest” e “Amfortas’ Wound” resulta também de um período de convalescença de um problema de saúde; os oito anos que medeiam entre aquele e “Deus Ignotus”, foi porque ao longo dos anos houve outras gravações, e porque alguns dos seus trabalhos têm uma direção específica, dá-se à liberdade de deixar as canções desenvolverem-se como que organicamente, e se isso implica 6, 7, 8 anos, então que assim seja.                                 
O tempo será por isso uma ferramenta para deixar as canções apurarem, mas algumas gravações intermédias foram relativamente rápidas, porque havia razões externas que assim o ditaram, por exemplo o CD a meias com os Changes, na editora nacional Terra Fria, ou até mesmo o mini LP de 10 polegadas. Mas regra geral gosta de fazer os seus trabalhos o melhor que pode e, com “Deus Ignotus”, foi esse o caso. Quanto ao próximo, “The Tower of Pride”, sobre a Primeira Guerra Mundial, os seus planos são mesmo lançá-lo ainda em 2014. Mas há sempre questões de logística; um dos temas terá a participação dum amigo que executará uma peça num órgão de catedral anglicana na Índia, onde se encontra a viver, e tudo isto leva tempo a preparar. A versão de “Recessional” que há-de aparecer em “The Tower of Pride” vai implicar a participação vocal de 20 pessoas diferentes, de vários países e até ao momento ainda lhe faltam algumas partes. A feitura de “The Tower of Pride” implicou pesquisas acerca dos célebres poemas sobre a Primeira Guerra; alguns deles estavam excluídos à priori, mas outros tinham necessariamente de aí figurar, por diversas razões. Depois foi preciso planear a forma como os temas seriam feitos, algumas só canções simples, como “Army of Mercenaries”, outras mais abstratas, como “The Stripping of the Altars”, outras ainda são exatamente gravações ambientais de campo. Haverá algumas peças mais “ruídistas”, mas tudo isto leva Andrew King a racionalizar que o próximo disco de originais poderá eventualmente sair em 2015 e já não este ano.
Falando depois sobre a sua longa permanência nos Sol Invictus, como convidado especial, é significativo saber um pouco mais sobre esta sua experiência; King sempre assumiu que os Sol Invictus são a banda de Tony Wakeford e que sempre que ele não quer trabalhar mais com alguém, é assunto seu. Mas o que lamenta mais na sua estadia de mais de cinco anos com os Sol INvictus é o facto de não ter sido feito um álbum à maneira mais tradicional do grupo, admitindo que a sua última participação em The Cruellest Month o deixou algo insatisfeito. Ainda por mais, a editora Prophecy insistiu na organização da caixa retrospetiva dos álbuns iniciais e que não se envolveria no lançamento de material novo, antes do boxset estar pronto. Em temas como Cruel Lincoln e Edward, ainda tentou essa via mas o material seguinte já se afastou de novo da orientação tradicional.
Falando ainda de colaborações, é de sublinhar o carácter de quase hit-single que o 7” split com os Blood Axis alcançou há uns anos atrás, o qual, inclusive, já se encontra esgotado há muito. Modestamente, King assume que o sucesso se deve ao tema dos Blood Axis, “The Dream”, e não ao seu. A ideia foi sugerida por Annabel Lee, e logo houve concordância, pelo facto de ambos estarem à altura a trabalhar em poemas medievais alemães, dos chamados Minnesänger, para os respetivos álbuns em progresso. Como não há muita gente que honestamente os fossem capazes de reproduzir, achou-se boa ideia dar-lhes uma mistura diferente e lançá-los em single. Mas não havia material semelhante suficiente nem para um mini álbum, dado que os temas eram partes integrantes de dois álbuns diferentes. Os temas medievais alemães não assim tão conhecidos pelo público folk britânico. Para além disso, assumem uma musicalidade algo difícil que se pode tornar aborrecida, estando constantemente sob a tutela do trabalho académico que impõe regras estritas sobre como devem ser interpretadas; já a poesia tardia da Idade Média germânica é bem mais interessante e vivaz, mais na linhagem trovadoresca. Daí ele ter arriscado na interpretação em Alemão Antigo, com a ajuda de amigos austríacos. Tê-lo-ia preocupado mais se fosse em Francês ou Italiano, embora tivesse já participado com os Àrnica, para o qual contou com ajudinha da esposa que é catalã.“Deus Ignotus” terá sido definitivamente o seu trabalho mais completo, não só ao nível literário, mas também em matéria de qualidade de som, pese embora ter saído em 2011; tem soado como um disco crescente ou mesmo permanente nos leitores de CD dos seus admiradores. Andrew King faz o rappel do andamento das gravações que conduziram ao seu terceiro trabalho de longa duração. “The Three Ravens” foi parcialmente gravado com John Murphy, há já alguns a
ANDREW KING w. CAFE EUROPA
nos, mas com a inclusão ou adição de outras variantes de percussão, o tema seria facilmente uma peça de abertura; depois gastou algum tempo com o manuscrito de “Judas”, o qual tinha a certeza de incluir no álbum, e ainda algumas outras peças. Por exemplo, “Lord Lovel” é a gravação mais antiga presente em “Deus Ignotus” – é do período de “Amfortas’ Wound”. No entanto, como foi um muito bom take, King decidiu usá-lo. O texto de David Jones, “In Upper Room” era mais outro tema na sua cabeça, e ao qual mais tarde deu acabamento, mas custou-lhe uma fortuna em direitos; ao contrário de outros autores cujos representantes tinham generosamente cedido autorização graciosa, a Faber & Faber pratica preços de copyrights que são autênticos rombos no orçamento, e pagar cerca de 500 libras para interpretar e imprimir um texto num álbum não está ao alcance de todos. No entanto, King relembra o episódio do contrato que chegou com um preço inflacionado de £850,00, mas que num smallprint do recibo ainda trazia o preço anterior. Daí à negociação foi pelo menos um passo saboroso de o feitiço se virar contra o feiticeiro, e a Faber & Faber cedeu nos seus propósitos quase dignos da usura medieval. De resto fica o aviso para os admiradores, “The Tower of Pride” ao incluir textos cujos direitos de autor são igualmente proibitivos, não irá incluir folha de líricas, embora sejam referidos os títulos e respetivos autores. Como remate desta reveladora conversa com Andrew King, e numa nota final que de rodapé tem pouco, ficaram as palavras do seu apreço pelo Festival Entremuralhas e pelo Castelo de Leiria que só então descobria e onde nos brindou com um espetáculo inesquecível, mau grado uns insignificantes problemas de som ao início. 

ONIRIC @ Entremuralhas'14

ONIRIC @ Entremuralhas'14