segunda-feira, 8 de junho de 2015

Café Europa Radio Show #161

01. BIRCH BOOK w. ANNELIES MONSERÉ - "Aurora" (USA) (tangles of the vine - 2006)
02. DUNCAN EVANS - "Sailor Boy" (GBR) (lodstone - 2013)
03. FIRE + ICE - "Ershebeth" (GBR) (hollow ways - 1994)
04. TWA CORBIES - "Is There A Heaven?" (GBR/GER) (the clamouring - 2015)
05. TWA CORBIES - "The Tower Of Babylondon" (GBR/GER) (the clamouring - 2015)
06. TWA CORBIES - "A Fool In April" (GBR/GER) (the clamouring - 2015)
07. L'ORCHESTRE NOIR - "Devouring Angel" (GBR/FRA) (eleven - 1998)
08. GAE BOLG - "Death Of The West" (FRA) (v.a. sol lucet omnibus - a tribute to sol invictus - 2002)
09. SEVEN PINES - "Printemps de Pierre" (FRA) (nympholept - 2003)
10. TWA CORBIES - "See - Saw" (GBR/GER) (the clamouring - 2015)
11. TWA CORBIES - "Dresden Heather Song" (GBR/GER) (the clamouring - 2015)
12. TWA CORBIES - "The Hand Of God" (GBR/GER) (the clamouring - 2015)
13. CHANGES - "Autumn Day" (USA) (a ripple in time - 2006)
14. SPLINTERSKIN - "The Eyes That Hide" (USA) (wayward solus - 2009)
15. KING DUDE - "Please Stay (In The Shadow Of My Grave)" (USA) (love - 2011)
16. TWA CORBIES - "Dark and Drublie Days" (GBR/GER) (the clamouring - 2015)
17. TWA CORBIES - "She Descends" (GBR/GER) (the clamouring - 2015)
18. TWA CORBIES - "Leaving Macclesfield" (GBR/GER) (the clamouring - 2015)
19. :GOLGATHA: - "Icarus" (GER) (kydos, reflections on heroism - 2005)
20. EMPYRIUM - "With The Current Into Grey" (GER) (the turn of the tides - 2014)
21. TEARS OF OTHILA - "Mountains" (ITA) (way to traditions - 2013)
22. TWA CORBIES - "No Bosses" (GBR/GER) (the clamouring - 2015)
23. TWA CORBIES - "Laughing" (GB/GER) (the clamouring - 2015)
24. ANDREW KING - "Judas" (GBR) (deus ignotus - 2011)
Twa Corbies, “The Clamouring”, Bollebouz Tonträger, 2015




TONY WAKEFORD

Faixa 1: Is there a heaven?
A pergunta milenar da razão da esperança e do medo da perdição na existência humana…haverá um Céu ao qual possamos aspirar, independentemente da nossa conduta? Ou será que se pode sempre comprar o homem no topo da pirâmide hierárquica da religião importada do próximo oriente há dois mil anos? E, depois disto tudo, haverá mesmo um deus? Como sempre, a referência cínica de Tony Wakeford sobre os poderes financeiros que governam o mundo da dita espiritualidade e compõem as ilusões dos homens, sobretudo dos escravizados, o que nos traz à memória coisas como “Holy Water”, quando ainda integrava os Death in June. Basicamente, o que esta excelente abertura do álbum dos Twa Corbies nos diz é que os letreiros dos portões dos campos de Auschwitz e Treblinka, no mínimo, apenas mudaram de donos, ironicamente…
O regresso do projeto Twa Corbies, de que conhecíamos apenas referências ao vivo, acaba por ser uma reconfortante estreia no retorno à atividade neofolk no ano de 2015. Gravado em Agosto de 2013, levou 14 meses de pós-produção, e mesmo assim Wakeford não terá ficado inteiramente satisfeito com o resultado final, chegando a agradecer a Patrick Damiani pelo trabalho de recuperação da salgalhada acústica que o colaborador e co-autor Gernot Musch, dos Golgotha e Pilori, gravou e misturou na pré-produção. Com tal declaração, acabamos por não ficar a saber se se trata do seu lendário sentido de humor ou se é de facto uma anunciada picada de mau-humor. Um disco que assim começa, promete pelo menos alguma tensão da qual pode nascer a luz…
The Clamouring” será também, à partida, mais um manifesto de descontentamento com os rumos das políticas europeias, independentemente da ideia de nação, e muito menos da falsa união que pretende para si a coroa de louros da pacificação à força, da submissão das vontades ao poder da Eurobanca.    
Musicalmente, estamos em presença de um trabalho que, a julgar pelo começo, só ser tão ambicioso quanto o último dos Sol Invictus, “Once Upon a Time” e, por isso mesmo, portador daquela envolvente primitiva, simplista mas extremamente contundente a que Wakeford nos habituou ao cabo de quarenta anos de atividade, dos Crisis aos Death in June, dos Death in June aos Sol Invictus e restantes projetos satélite. Ouviram bem, são quase quatro décadas de trabalho incansável que nos Twa Corbies encontra mais um veículo para, através de poesia e música, apontar o dedo da desolação ao panorama da lenta desagregação do sonho europeu.
O segundo tema do álbum é assinado por Gernot Musch e chama-se “The Tower of Babylondon”, sendo um notável exemplo de construção poética, onde os lúgubres acontecimentos históricos associados à Torre de Londres ao longo dos séculos, parecem ganhar vida e regressar ao presente para ameaçar solenemente os novos protagonistas da vida política britânica, quiçá com alguma justiça, a julgar por puras patifarias históricas assinadas por mais ou menos recentes regentes dos governos da City. Curiosamente, um tema que acusa um pouco do som alemão das bandas neofolk de ‘90 e 2000, como os Dies Natalis, entre outros.
A “Fool in April” é uma lengalenga de quatro minutos que nos retrata a todos, cidadãos anónimos do jogo democrático, apanhados em constantes renovadas mentiras de Abril – e em Portugal, concretamente, o jogo de palavras ganha especial relevo! Mãos sangrentas marcarão aqueles que se estão nas tintas – um bom prenúncio para a revolução, segundo Wakeford, na sua razão…
O mesmo se pode aplicar ao seguinte, “See-Saw”, que parece ser o resumo lógico das consequências de tudo aquilo a que já fizemos referência em apenas três temas – que não se levante a tampa dessa caixa, outra vez; há uma aranha que tece enquanto um cornetim toca, e uma menina que cai do balancé, e o solo está de novo coberto por carpetes de cristal, por entre o nevoeiro e o matraquear metálico dos vagões nos carris. Será um sonho mau ou uma mera questão de tempo?
Saltando de “Dresden Heather Song”, que nada tem de mal, para outro tema, já que aqui não se pretende a dissecação laboratorial dos grandes discos, mas tão-somente o seu destaque e louvor, voltamos às significativas lengalengas repetitivas de Tony Wakeford – “Would you shake the hand of god?” Apertarias a mão a Deus? A questão é repetida até à exaustão, tal como exaustiva será a dúvida que nos resta nestes dias de incerteza.
O minimalismo de algumas das canções de Tony Wakeford é, com os Twa Corbies, compensado pela gentileza poética dos temas assinados por Gernot Musch, que, não obstante, nunca renuncia ao seu apadrinhamento – “Dark and Drublie Days” será talvez o melhor tema escrito pelo líder dos Golgotha para os Twa Corbies, e que, para não variar, fala das esperanças da humanidade, na secreta esperança de haver mais qualquer coisa que “isto aqui” – e subentendam-se as aspas.
O contraponto dado pela voz de Wakeford no refrão é um sinal de que de criadores alegadamente conflituosos entre si, pode haver um momento mágico de harmonia, e de resto, este será também um dos momentos mais elevados do álbum. Enquanto o mundo continua a girar, há coisas que permanecem e não se escondem, e os horrores do passado são ainda os mesmos de ontem.
Mandámos embora os deuses que adorávamos, e deixámos entrar outros porque com a liberdade nos aborrecíamos; encontrámos as razões para roubar, matar ou de morte ferir, porque já não nos importa em nome de quem trair.

Na verdade, apenas existem dois tipos de álbuns – os que sobem ao seu zénite, bom ou não, e depois rolam encosta abaixo do fiasco, ou os que por artes régias, deixam essa marca, para continuar a escalada.
Embora o título, nesta ordem de ideias, soe paradoxal, “She Descends” é uma das mais intensas baladas de sempre, assinadas por Tony Wakeford, e onde graciosamente brota um aplicado exercício de sentido tributo a Dante Allighieri. Se, com tal sequência de temas excelentes, fosse impossível crer que um instrumental ambiental ritmado, quase marcial, trouxesse ainda mais luz a “The Clamouring”, os Twa Corbies aí estariam para o contrário provar com “Leaving Mcclesfield – Not!”, onde as guitarras obsessivas de ambos tecem uma espécie de tapeçaria anglo-saxónica de memórias mancunianas, representadas nas vozes que sobrevoam furtivas, a longa frase musical de dois acordes absolutamente hipnóticos.
E porque há pouco nos lembrávamos dos Crisis, não vá que Tony Wakeford deixe os seus pergaminhos por mãos alheias – “No Bosses” é assim uma espécie de parte dois de “Against The Modern World” cruzada com “No Town Hall” da banda punk que fundou com Douglas Pearce, sendo também mais um degrau conquistado à excelência, que é mantida até ao final em “Laughing”, uma canção que poderia pertencer à longa lista de anátemas dos Killing Joke, não fosse a sua belíssima roupagem melódica dreamy-folk psicadélica. Um final certo e astuto para um disco que se intitula dos clamores. Talvez ainda reminiscente de analogias com glórias wakefordianas antigas, como “Media” do lendário “Trees in Winter”, de 1990.

Depois do que escutámos, é bem possível que já não restem dúvidas sobre a validade e importância do nome de Tony Wakeford na música popular contemporânea, verdadeiro self-made bardo da infantaria dos que acreditam que ainda podem resistir ao maior embuste da história das democracias. O mesmo se aplica a Gernot Musch, que como coautor, mostra a habilidade de trazer um pouco de Golgotha à linha mais arcaizante de Wakeford, criando uma interação verdadeira de trabalho de parceria, como nem sempre aconteceu neste género, se excluirmos a particular título de exemplo Boyd Rice com Death in June, ou os Les Joyaux de La Princesse com os Blood Axis, só para citar uns dos poucos.
Sublinhe-se ainda da parte de Tony Wakeford, o efeito de acervo composicional, e a capacidade de elaborar com assinalável regularidade, engenho e talento para se libertar das correntes a que muitos o pareciam condenar. No more bosses – a democracia é um bebé amordaçado com fita vermelha, ou seja, a arte de criar slogans já não é para qualquer um. Mesmo num conto de dois corvos.

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