segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Café Europa Radio Show #171, Café Europa apresenta: ROMA AMOR “Una Torbida Estate” Old Europa Cafe, 2015

01. MANI DEUM - "Infected Kittens" (GRE) (music for your local church...or your local brothel – 2011)
02. MANI DEUM - "The Cat And The Crow" (GRE) (music for your local church...or your local brothel – 2011)
03. ATARAXIA - "Where The Sea Turns Into Gold" (ITA) (ena – 2015)
04. ATARAXIA - "Le Nozze Di Yis" (ITA) (ena – 2015)
05. ROMA AMOR - "Una Torbida Estate" (ITA) (una torbida estate - 2015)
06. ROMA AMOR - "A Tus Besos" (ITA) (una torbida estate - 2015)
07. ROMA AMOR - "Battiti - Cuore Selvaggio" (ITA) (una torbida estate - 2015)
08. ROMA AMOR - "Lies" (ITA) (una torbida estate - 2015)
09. HYPERBOREI - "Summer Time" (ARG) (the invisible army – 2015)
10. NAEVUS - "Afters" (GBR) (perfection is a process – 2004)
11. ROMA AMOR - "Inverno" (ITA) (una torbida estate - 2015)
12. ROMA AMOR - "Mucho Mas Que Ayer" (ITA) (una torbida estate - 2015)
13. ROMA AMOR - "Cinderella" (ITA) (una torbida estate - 2015)
14. ROMA AMOR - "Der Treue Husar" (ITA) (una torbida estate - 2015)
15. EDO NOTARLOBERTI & VIVIANA SCARINCI - “Se Fosse Principio(ITA) (la favola di lilith – 2014)
16. EDO NOTARLOBERTI & VIVIANA SCARINCI - "Ora L’Intensità È Minore" (ITA) (la favola di lilith – 2014)
17. AEAEA - "Climb" (USA) (drink the new wine – 2014)
18. ANGELIC FOE - "Bewitching Lilith" (SWE) (mother of abomination – 2015)
19. ROMA AMOR - "Blau Blau Blau" (ITA) (una torbida estate - 2015)
20. ROMA AMOR - "Il Cuore" (ITA) (una torbida estate - 2015)
21. ROMA AMOR - "Amsterdam" (ITA) (una torbida estate - 2015)
22. ROMA AMOR - "Tu … Ancora Tu" (ITA) (una torbida estate - 2015)
23. SPIRITUAL FRONT - "No Kisses On The Mouth" (ITA) (no kisses on the mouth – e.p. – 2003)
24. INNER GLORY - "War Is Forever" (ITA) (war is forever – e.p. – 2002)


Una Torbida Estate”, dos ROMA AMOR, marca presença neste outono de 2015, pouco mais de um ano sobre o antecessor “On the Wire”. Ao que naquele havia de arrojo temático e sentimental, o novo ROMA AMOR responde com determinação e aprumo estilístico, com a saborosa confirmação daquilo que prevíamos na nossa conversa com o duo Euski-Candela em Leiria no verão quente e não nublado de 2013 – que com uma produção mais direcionada, o potencial musical do grupo poderia expandir-se muito mais que proporcionalmente. É o que foi conseguido neste “Una Torbida Estate” –  um primeiro trabalho de uma nova etapa na via dos ROMA AMOR, sendo já o seu quinto disco de originais, se excluirmos o mLP 10’’ “17-3, March17th”. “On the wire” foi o culminar de todo um percurso castiço e navegado entre hostes muito alternativas ou até divergentes – os ROMA AMOR nunca se perfilaram no movimento neofolk europeu, fortemente representado por bandas alemãs, no entanto, desde 2008 é documentada a sua presença em diversos eventos próximos daquelas paragens musicais e o mesmo se pode dizer em relação ao Entremuralhas, que sendo um festival nominalmente gótico, acolhe “gatos vadios” da nova música popular como os ROMA AMOR.
Voltando ao verão nublado deste novo álbum, retomando a ideia que existe, deveras, uma melhor orientação da produção, com o tema título de abertura, é de imediato gerada a sensação de um verão sulista, molhado e sufocante, musicalmente algures entre as melhores memórias australianas de ‘80, como os Bad Seeds de Nick Cave dos tempos de “Your Funeral My Trial” e os Triffids de “The Black Swan” – essa mesma dualidade entre sofisticação e desconforto, que se juntam para enquadrar melhor a temática que vai alastrar a todo o álbum. Os ROMA AMOR são mestres nessa construção de ambientes psicológicos que acusam a existência física das envolventes reais ou sonhadas e neste caso são heróis românticos, talvez das resistências políticas que mesmo assim se apaixonam por entre uma tempestade de verão. Com este mote de tal forma sedutor dos nossos ouvidos e aquele efeito mistério dado pelo som da chuva, será difícil ao ouvinte não se sentir motivado para a sequência.
Com ROMA AMOR, outro sentimento ao qual já nos habituámos é o da surpresa; os dois temas seguintes são de uma urgência confessional assinalável – “A Tus Besos” é em espanhol e faz por vezes lembrar a toada do austríaco Jurgen Webber e dos Novy Svet, enquanto “Batitti- Cuore Selvaggio” é mais canalha, mais canção de cantina, mais cabaret do povo, numa letra que fala de corações selvagens cuja batida só a respiração pausará, tudo interpretado com aquele languidez reativa a que Euski já nos habituou.
Esqueçamos portanto a linearidade previsível dos álbuns que, embora bem produzidos, têm um fito comercial – este decididamente não o tem. “Lies” é um tema de quase cinco minutos marcado por um ritmo obsessivo mas balanceado, por vezes algo industrial, que contrasta com o gingar do acordeão de Candela e com a voz rouca de Euski. É uma das duas canções cantadas em Inglês neste álbum, já que há também duas em Espanhol e ainda outra em Alemão, e ainda outra que se divide pelo italiano, inglês e alemão. É assim a versatilidade poliglota dos ROMA AMOR, sendo também um reflexo do evidente carisma europeu da sua música e poemas.
E chegados praticamente a meio do álbum encontramos “Inverno”, que nos entra pela casa adentro, com um som de violino verdadeiramente espectral que nos é de algum modo familiar – é claro que é Matt Howden que dá uma achega com momentos de autêntica invernia sonora, pontuado pelas palavras de Euski que anuncia a chegada da estação. Mas este inverno nada tem de agradável, do reconfortado desconsolo que faz dele uma estação para elitistas e misantropos. É uma carta esquecida e amarelada, como urina na neve, que motiva uma lembrança amarga e que faz aparecer o nome de alguém escrito nos vidros embaciados – e então, já não é só lá fora que chegou o inverno... O seguinte tema em Espanhol, “Mucho Mas Que Ayer”, é como que uma continuação de “A Tus Besos” e mesmo que, musicalmente, seja o primeiro momento relativamente indiferente, haverá motivo para não os confundir com uns quaisquer Vaya Con Dios da facilidade mercantil. As palavras balbuciadas por Euski sopesam o seu próprio receio por um amor perdido, descrevem o medo também pela vida do outro, num trecho simultaneamente confessional e obsessivo, que faz a ponte para o outro tema em Inglês “Cinderella For One Day”.
O título é uma piscadela de olho óbvia a um dos heróis de Euski – David Bowie. É quase pena que o tema seja tão curto em comparação com os anteriores. A “sujeita poética” pede apenas que a deixem ser Cinderella por um dia, numa declaração de submissão total que a faz andar de cá para lá, quase exausta, dormindo em comboios cujo silvo já só lhe relembra beijos. E de repente damos connosco a escutar Euski interpretando velhos tradicionais folclóricos europeus – a brilhante “Der Treue Husar”, em três línguas, de estrofe para estrofe (inglês, alemão e espanhol), e a lenga-lenga escolar alemã, “Blau Blau Blau”, que anteriormente tínhamos ouvido às gémeas norte-americanas Prussian Blue. Conhecendo a diametral oposição entre tão díspares universos femininos, só pode ser provocação – uma nursery rhyme do século XIX que fala do amor em todas as cores e que poderá funcionar como disclaimer relativamente ao seu verdadeiro sentido, já que se adivinhava, no mínimo, uma certa distorção política na versão das jovens Prussian Blue.
Chegamos assim ao último quarto de Um Verão Nublado – e mais uma vez podemos observar como dominam uma abordagem ao simbolismo microcósmico – o “Cuore”, o coração, é o centro do tema assim intitulado, com uma batida cardíaca que introduz o momento talvez mais atmosférico do álbum, embora bem marcado pelo ritmo dançarino no acordeão de Candela. É necessário não esquecer que este ainda é um disco com selo Old Europa Café, portanto tudo o que vier “out of the box” é simplesmente natural. E tão natural, tão com os pés na terra, que finalmente deparamos com a versão de “Amsterdam”, de Brel, a qual já lhes conhecíamos desde pelo menos Agosto de 2013 em Leiria, na edição desse ano do Festival Entremuralhas, onde a prestação do duo arrancou a alguns dos muitos presentes “Bravos” exaltados. Porque já não é uma surpresa, poderá não surtir aquele efeito de choque para os que a ouviram ao vivo, no entanto não retira absolutamente nem uma batata frita à ementa daquele marinheiro cujos dentes apodreceram demasiado cedo. Sem dúvida uma das melhores versões do eterno clássico, e vejam lá bem que nunca foi qualquer um que se aventurou a fazê-lo.
Chegamos ao fim. Falta um tema. Uma canção intitulada “Tu Ancora Tu”. Ouve-se o mar, ou talvez uma respiração, e um piano digno de Mick Talbot dos Style Council. Será a costela Style Council dos ROMA AMOR? É subjetivo, claro, mas estamos em crer que, a conhecê-los, Paul Weller haveria de gostar bem dos ROMA AMOR. É apenas um tema de fecho de cinco minutos, mas que absorve em si toda a carga nostálgica romântica do álbum, fenómeno atípico que por vezes é conseguido pela gente que tem deveras a mestria de fazer canções. Repetimo-lo – não é para todos, tornar aquilo que parece mais um simples apontamento segmentário numa espécie de fantasma de canção que se impõe, que se revolta no marulhar daquilo que pareciam ondas mas que, com a aproximação do fim, já se confunde numa trindade em que a respiração de alguém e a chuva lá fora parecem alargar o espectro poético e musical da canção, que não é mais que uma história de reencontros apesar de tudo - apesar de tudo! - até de verões nublados e chuvosos.
Os ROMA AMOR estão aí, de pedra e cal, fantásticos e rebeldes menestréis da canção Italiana. Continuam únicos, originais e no entanto todos os podem entender e mais, gostar deles. Lá está – paradoxalmente, não é para todos.

Texto: João Carlos Silva

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