Especial Festival FadeIn Entremuralhas 2013 – Review último dia
“Banda Sonora da Reportagem”
01. ROMA AMOR (IT)
02. NAEVUS (GB)
03. QNTAL (GER)
04. SOROR DOLOROSA (FR)
05. KAP BAMBINO (FR)
Entremuralhas 2013, a nossa apreciação ao que se
passou no Castelo de Leiria no último dia do Festival e ainda passagem das duas
entrevistas efectuadas nesse dia, primeira à dupla ROMA AMOR e a outra
ao britânico LLYOD JAMES dos NAEVUS.
ROMA AMOR que abriu as hostes no Palco das ruínas da igreja da Pena e que forma
para muitos a surpresa deste festival. Para nós, aqui no Café Europa eram já
uma certeza e um dos bons motivos para ter estado presente neste magnifico
Festival dos bons amigos da FadeIn.
Ainda nas ruínas da Igreja da Pena seguiu-se o
trio germânico DIE SELEKTION, no entanto, apesar do atrazo motivado por
alguns problemas técnicos, foi-nos de todo impossível assistir a esta prestação
de Hannes Rief , Max Rieger e Luca Gillian, pois que nesse momento estávamos à conversa com Alexandra
Euski e Michele Candela na varanda real
dos paços novos.
Depois da entrevista aos ROMA AMOR o
destino foi o palco Alma onde a noite chegava ao som dos NAEVUS que
traziam na bagagem uma set-list especialmente preparada para este seu regresso
a palcos nacionais com LLOYD JAMES acampanhado de um line-up brilhante.
Os NAEVUS foram a aposta pessoal do Carlos
Matos, uma grande aposta, que para nós estaria ganha à partida, mas que, atendendo
ao desconhecimento manifesto de muitos dos presente, não era assim tão
evidente. No entanto, com o final do concerto foi notória a satisfação daqueles
que assistiram a um dos momentos do EM’13.
LLOYD JAMES que após arrumados os instrumentos
deslocou-se connosco até ao local das entrevistas desse dia, a varanda real dos
paços novos, onde na companhia da sua namorada, trocámos uma mão cheia de
ideias, que mais adiante passaremos.
Antes da ida até à varanda real, podemos ainda
assistir à parte inicial do concerto que fechou no EM’13 o Palco Alma. Tal
honra coube aos germânicos QNTAL e o local parecia mesmo feito à medida
da banda. Os sons medievais dos QNTAL ganharam novo fulgor com a
envolvente proporcionada pela Torre de Menagem e as Muralhas do Castelo de
Leiria. Foi sem dúvida uma despedida em beleza do Palco Alma para o EM’13.
Para o final do Festival duas prestações
francesas no Palco Corpo. Os primeiros a dar o Corpo foram os SOROR DOLOROSA.
Foi o regresso ao Entremuralhas de Andy Julia, depois de no ano passado ter
colaborado com Geoffroy D na estreia por cá dos Dernière Volonté. Foi um grande
final de festival a fazer jus à designação de “gótico”, e mostrando um Andy
Julia muito diferente daquele com quem conversámos o ano passado.
Depois dos SOROR DOLOROSA, a festa de
encerramento também veio de França com os KAP BAMBINO a arrasar todos os
que resistiram até à sua entrada em palco. Foram a escolha mais polémica do
Festival, com diversas criticas bastante contundentes, mas que aqueles que
tiveram a paciência e a curiosidade para compreenderem o porque da escolha,
confirmaram o quão injustas foram tais criticas.
Foi mais edição do EM’13 onde apenas nos apetece
dizer uma coisa:
Obrigado a todos os que na fade in nos
proporcionam, pelo menos uma vez por ano tão bons momentos, de imenso prazer.
Agora passagem para as para os concertos e
entrevistas com os ROMA AMOR e com LLOYD JAMES.
ROMA AMOR @ Ruínas da Igreja da Pena - Castelo de Leiria
Terceiro dia do Entremuralhas, caracterizado por mais uma tarde escaldante
dentro dos domínios do Castelo.
Embora fosse o último dia e, por assim dizer, só restassem menos de doze
horas até ao seu encerramento, o ambiente psicológico, gerado pelos
acontecimentos das vésperas, elevava ainda mais alto a antevisão de um fecho de
festival em grande.
O início estava previsto para pouco depois das 18 horas, com a estreia em
Portugal do duo italiano ROMA AMOR; enquanto
nos abrigávamos sob umas escassas sombras, junto à porta das ruínas da Igreja
da Pena, onde o palco já estava pronto, ouvíamos alguns membros da organização
a trocar impressões sobre as suas preferências musicais transalpinas, enquanto
ajustavam os últimos preparativos para o balcão onde a céltica beberagem
patrocinadora iria ser vendida – e alguns dos nomes referidos, como
CamerataMediolanense, EgidaAurea e sobretudo Ianva, pareciam fazer todo o
sentido para incluir em futuros sets
do festival. Dir-se-ia que a Itália se tornou deveras um país fulcral para a
moderna música popular e nós, seus companheiros sulistas atlânticos, uns dos
seus melhores apreciadores.
Enquanto isto, vemos chegar um jovem casal franzino, que de imediato reconhecemos
como EUSKI e MICHELE CANDELA; timidamente sorridentes, passam pela porta ogival
e dirigem-se para as traseiras do palco, a velha sacristia que serve de
bastidores a todos os que atuam na Igreja da Pena. De resto, o profissionalismo
irrepreensível de ambas as partes (organização e bandas) mais uma vez se faz
sentir – entre a chegada e o início do concerto passa nem meia hora e,
enfrentando uma nave que aos poucos se vai enchendo, os ROMA AMOR, sentados e empunhando a guitarra e o acordeão, encetam
um dos mais memoráveis concertos da vida do Entremuralhas.
A despretensão de imagem do duo faz justiça ao seu grande talento musical e
interpretativo – EUSKI tanto personifica uma donzela do norte de Itália,
abrindo o coração, precocemente desiludido com as coisas do Amor, como de
repente se metamorfoseia na mais terrível das ancestrais feiticeiras, debitando
pragas, esconjuros e maldições, ou na mais vingativa das rivais moçoilas que na
Romagna dos últimos séculos despontavam
para paixões ardentes, zombando umas das outras. Não é só uma cantora, não é só
uma guitarrista, é também uma magnífica atriz. MICHELE CANDELA, com o seu
coçado uniforme de cabedal de pós-punk e boné marujo, abraçando energicamente o
acordeão, é por assim dizer a eminência parda – aparentemente tímido e fugidio,
arisco como um gato vadio,garante a blindagem sonora permanente à sonoridade ROMA AMOR – é como se, de facto, fosse
a espinha dorsal das canções,enquantoEUSKI representa alma e sangue, uma
entidade que se constrói paralela e que parece subir, ecoando sob as ruínas dos
arcos da abóbada. Neste ponto, fazemos igualmente jus ao mote deste festival –
uma experiência vivida é diferente de uma experiência contada.
Os aplausos irrompem brutais e quase descontrolados, às vezes
antecipando-se aos finais das canções, e estamos em crer que não é só por
sabê-lasde cor… o encore tem sabor a pouco, mas há horários a cumprir e a
próxima banda DIE SELEKTION não tarda. Não os vamos ver e lamentamo-lo, mas
temos entrevista marcada com os ROMA
AMOR na varanda real dos Paços Novos – uma boa conversa.
Entrevista de Eusky e
Michele Candela para o Café Europa
Encontrámos o duo ROMA AMOR após
o flamejante concerto da tarde à saída dos bastidores improvisados, que é a
sacristia, a qual dá para outro segmento das ruínas. Apresentações feitas,
dirigimo-nos para a extensa varanda dos Paços Novos, onde nos espera uma mesa e
cadeiras, cenário ainda por demais embelezado pela deslumbrante vista sobre a
cidade. Há pessoas sentadas nos bancos de pedra dos nichos que, à primeira,
parecem não reconhecer o grupo nem o propósito do nosso recolhimento naquele
lugar, continuando a falar e a rir alto. Entretanto, começamos a conversar…
De antemão, tecemos um rasgado elogio ao concerto a que acabámos de
assistir, e sublinhamos a total entrega com que o fizeram, atestando o retorno
emocional que as canções dos ROMA AMOR
nos motivaram. Sorridentes e humildes, os dois músicos agradecem. Há um
belíssimo disco novo, um longo EP de dez polegadas, com cinco temas, chamado “17th
of March” ou 17.3, para abreviar; será apenas a continuação do bom trabalho ou
talvez um novo começo para os ROMA AMOR?
Não será exactamente um novo começo mas
mais uma evolução; o duo iniciou recentemente o trabalho em novas canções e
pensaram ser uma boa ideia tentar misturar os velhos sons com outros, os acústicos
com outros algo diferentes. Talvez para o ouvinte mais conhecedor, este EP pode
soar bastante diferente, mas para nós não – cruzam velhos sons acústicos com
uma sonoridade electrónica, estando o acordeão também omnipresente neste
trabalho, assim como a guitarra, embora por vezes um pouco mais escondida, em
comparação com os outros álbuns.
Ficámos a saber no outro dia – de resto, bastava olhar para os créditos na
capa de “17.3” – que tiveram a colaboração de elementos dos compatriotas Teatro
Satanico; como foi trabalhar com uma das mais estranhas bandas, em matéria de
som, vindas da Itália? EUSKI atalha
“Bem, encontrámo-nos em Ravena e,
sabendo que ele (Devis Granziera) é um entusiasta dos sons electrónicos, começámos
a conversar sobre efeitos de som, porque nós estávamos a precisar de alguns em
particular, e ele mostrou logo grande interesse, querendo acrescentar registos
de cordas que se podiam ajustar bem ao som dos ROMA AMOR. Com efeito, nem todos os diferentes sons no EP “17.3”
são da autoria de Granziera; houve o acréscimo de sintetizadores vintage, ruído
de korg monotron… foi intrigante para nós, explorar estes instrumentos, mas
também ficar a conhecer um pouco mais sobre música, do ponto de vista técnico,
percebes, trabalhar mais sobre a música.”
Já lá voltaremos ao EP, entretanto há que sublinhar que foi lançado num dos
mais significativos selos da nova música europeia, a austríaca Hauruck, através
da extensão romana Hauruck SPQR, a qual tem oferecido através dos anos, uma
exuberante variedade de novos grupos e novos músicos; apesar de tudo, as vossas
canções soam por vezes mais doces e mais cheias de alma, que o trabalho dos
vossos típicos colegas de selo. Sentem-se como únicos nesse label?
“Bem, já no nosso principal selo, a
Old Europa Café, não somos uma das bandas típicas (risos),” -embora –
atalhamos nós – a OEC tenha sempre sido um selo de mente aberta face às
sonoridades específicas de cada banda. “O
que sucedeu foi que a Hauruck estava muito interessada no nosso som e queriam
muito fazer algo connosco; logo assim que nos conhecemos se gerou uma
colaboração muito agradável, proporcionando-nos a “chance” de trabalharmos para
uma edição em vinil, em vez do CD do costume. Pediram-nos para fazer algo assim
e ficámos muito satisfeitos com isso; digamos que não é da nossa conta; se por
vezes soamos mais doces e suaves que os outros – às vezes isso soa mais forte -
… o impacto emocional sobre o público é mais forte e dá para observar.
Quando é que começaram como banda?
Curiosa esta nossa pergunta: os dois parecem confusos, primeiro é Michele que
diz
“2009-2010”,
em italiano, ao que EUSKI exclama admirada “Como,
2009? 2008!”, ao que contrapomos: Pouco tempo, então, antes do lançamento
do vosso primeiro álbum? ”Oh não, deve
ter sido no ano anterior!” “Sim, mais ou menos meio ano antes do álbum, ou lá
próximo”. Para rematar toda esta confusão de datas, acrescentamos que nos
lembramos de ter passado os dois álbuns iniciais que se ajustam a essas mesmas
datas, logo estará tudo certo.”Mais ou
menos…”
Algumas das versões que têm feito ao
longo da vossa carreira, são covers de
artistas que ficaram famosos por congregar grandes quantidades de sentimento,
inteligência e talento, tais como Marc Almond, Jacques Brel, David Sylvian e
Bowie, assim como o menos conhecido artista argentino Luis Enrique Bacalov;
significa esta refinada escolha de santos patronos que, antes de vocês serem
conhecidos, passaram por uma fase de esforçados discípulos de todos estes
monstros sagrados?
EUSKI admite de imediato que é fã de
Marc Almond desde os 10 anos e que tem qualquer coisa como setenta discos dele
entre vinil álbuns, singles e CDs, porque adora as vozes e o seu modo de fazer
arte, e o mesmo em relação a Bowie; descobriu Brel mais tarde, o que também diz
ter acontecido há muito tempo. E terão as suas influências de algum modo
condicionado a forma como interpretam os temas em palco – isto porque ela não é
meramente uma cantora e guitarrista, funciona antes como uma atriz-intérprete.
“Sim,
é a minha maneira de me expressar através da minha música, expressar o meu
mundo interior, e sempre adorei os artistas quando, por assim dizer, se despem
perante a audiência; esses artistas para mim, são mesmo assim e Bacalov também,
para além da música, também está ligado ao cinema. Esta tarde não pudemos projectar
o nosso complemento visual, por causa da luz do dia e do lindíssimo local,
senão poderiam ter visto algumas passagens de filmes com banda sonora de L.H.
Bacalov.”
Do trabalho de Bacalov, da sua
música, do seu som, qual é a parte que vos interessa mais? Apenas as canções, a
poesia ou só a música por si própria? Os processos de composição?
“Claro, ele é um grande compositor e um grande arranjador também, mas para
as canções que escolhemos para figurar no nosso primeiro álbum, adorámos mesmo
o filme, intitulado “The Designed Victim”. Esta canção, que era cantada pelo
ator protagonista Thomas Millian, era mesmo apaixonada, no sentido mais
profundo de paixão, do verbo “patire” que significa padecer, sofrer (risos) –
era tão bela e quando algo me faz sentir de forma particular, tenho que
trabalhar sobre isso, ou pelo menos tento.Esta banda sonora foi feita de
parceria nos anos 70 com uma banda prog italiana, os New Trolls, dando origem à
sua colaboração no álbum “Concerto Grosso”, de 1971, que é realmente um dos
marcos do prog italiano”
Quando começaram a banda,
inicialmente, estabeleceram de imediato que iriam tocar guitarra e acordeão
como instrumentos principais, ou acostumaram-se usar outro tipo de
instrumentação, para além da colaboração de outras pessoas em estúdio, outros
instrumentos acústicos de raiz popular caracteristicamente Italianos?
EUSKI concorda: “Sim, claro, usamos o bandolim, até porque
fizemos alguns concertos usando um outro guitarrista e um bandolinista de nome
Roberto Zabberonni, e o som do bandolim para nós adapta-se perfeitamente a
certas atmosferas, como as que por exemplo se encontram no álbum Occhi Neri…”
– absorveram então essa essência da verdadeira música folk popular e não só a
referida influência da canção de cabaret…? MICHELE acrescenta: “Quando tocamos os dois, o acto, a
performance, é um pouco mais cabaret, e quando actuamos com outros músicos,
depende tanto do local como da própria colaboração; quando tocámos com o
Roberto Zabberonni, os arranjos eram mais folk, com o bandolim, com a
harmónica, a guitarra flamenco, etc., mas também demos outros com o Devis Granziera,
há alguns meses, e os arranjos, claro está, tornaram-se mais eletrónicos. É ele
que coloca as electrónicas nas nossas canções.” Aqui, EUSKI atalha – “a componente folk está também presente
nalguns estudos folclorísticos, como por exemplo no álbum “Femmina” - tentámos
estudar um lote de figuras femininas, da nossa tradição, começando pela sua
linguagem, no nosso dialeto que não é muito conhecido – e em Itália temos
milhares deles - e por isso, para mim, é algo particular que queria trazer à luz
nesse álbum. Penso que o folclore não é só a versão ou canção popular, é também
descobrirmos algo que tem a ver com as tuas raízes, assim como a linguagem de
onde é oriundo, e usá-la dessa forma é muito importante – para mim é belo.”
Mesmo que para um público possa soar
como um anacronismo?
“Sim, mas penso que eles gostam, talvez sorriam às vezes, mas gostam
mesmo.”
Agora uma questão mais para o MICHELE
CANDELA – um dos instrumentos que está na base da vossa música é o acordeão, um
instrumento cujos créditos na música estão definidos como exigentes de um
sólido domínio da sua execução; terias de início a noção do charme poderoso do
acordeão, tanto ao vivo como em disco, ou aconteceu simplesmente de uma forma
natural? Por exemplo poderias usar um registo de teclado, bem mais simples e
fácil…
“Claro,
ao vivo prefiro usar o instrumento, e tento misturar o estilo tradicional de
tocar acordeão com novas técnicas, especialmente derivadas de compositores
minimalistas, tais como Yann Tiersen, que por sua vez foi influenciado pela
escola minimal de Wim Mertens, e dos outros compositores mais conhecidos como
Michael Nyman e Philip Glass. Pessoalmente, toco o acordeão há cerca de seis
anos, já era crescido, portanto não quando era miúdo (risos, dado que
Michele é ainda um jovem aparentando menos de 30 anos).
“Occhi Neri” e “17.3” são
lançamentos muito fortes – mais experientes, musicalmente poderosos, e
definitivamente num nível mais alto de composição e escrita, nomeadamente, e em
particular, na notável última faixa do mini LP “17.3”, de título “The Difference”, e era por isso que há
pouco o referíamos como um recomeço – um tema que soa tão inteligentemente jazzy, mas manifestamente moderno e
ousado, ao ponto de quase chegar ao progressivo…de resto vós tendes consciência
disso, fostes vós que criastes as músicas, e que portanto soa mais
progressivo…querem comentar?
“Sim,
de facto soa, e para o efeito deste disco também colaborei com um amigo, que
costumava tocar comigo noutra banda quando era mais nova e porque nos mantivemos
em contacto, gostamos de vez em quando de colaborar, quando temos ideias novas,
e por isso começámos por um simples teclado, reproduzindo os sons que tinha em
mente para “The Difference”, fazendo-os soar dessa maneira, o que faz dele
também um co-compositor de um tema do primeiro álbum, “A Cosa Pensi”, mas será
só isso mesmo – gostamos de tocar coisas novas…”
Um dos aspectos mais tocantes é a
secção rítmica nesse mini LP, baixo e bateria – a percussão é verdadeira, não?
“Não,
é com teclados…”, responde EUSKI, ao que MICHELE apõe - “Depende, … nalguns temas são pré-gravados,
noutros é mesmo bateria e baixo, dado que sou eu que toco. É portanto uma
mistura. E agora estamos a preparar uma reedição em CD do mesmo mini LP com
canções adicionais, e estamos a usar bateria e percussões verdadeiras” De
resto – acrescentamos nós – é preciso uma vez mais sublinhar o excelente som do
baixo nos temas de “17.3”, que soa bastante progressivo e agradável, neste EP
ou mini LP, como se lhe queira chamar, sendo um dos traços que mais nos cativou
a atenção, soando diferente que nos álbuns anteriores (e não esqueçamos que já
vão no quarto disco).
Anteriormente, tínhamos enviado para
o site oficial uma questão sobre a
razão da escolha do tema “I’m Deranged”, de David Bowie e Brian Eno,
pertencente a um dos álbuns mais difíceis de Bowie, “Outside” de 1995, e, como
não houve possibilidade de resposta, gostaríamos agora que o fizessem … quais
foram as principais razões para o adoptarem?
“Achei-o suficientemente desesperado para o considerarmos…ouvi primeiro a
canção ao ver o filme “Lost Highway”, porque não a conhecíamos como tal, estava
apenas na banda sonora; comecei a sentir curiosidade pelo tema, e para mim
soava desesperada… (risos)…”
De certa forma, há minutos atrás, no
palco, responderam indirectamente quando disseram que adoram desafios – porque
poderiam tão simplesmente pegar num clássico dos 60’s ou 70’s de Bowie ou de
uma outra colaboração com Eno e seria eventualmente mais fácil, mas este álbum,
e este tema, são realmente perturbadores e difíceis de interpretar, expressando
esse desespero numa canção – e pessoalmente adoramos a vossa versão.
“Sim, às vezes não a consigo cantar porque começo a chorar, é tão perigosa
a esse ponto, e faz-me ver que devo ter cuidado com algumas canções, e quero
dizer com isto que tentamos, não fingimos, não esperamos fazer a versão
perfeita, é apenas um ímpeto físico, mas tentamos, continuamos tentando…”
- Como descreveriam então a rotina
diária de uma banda como ROMA AMOR?
Tocam frequentemente no vosso país natal? Contem-nos um pouco sobre a vossa
aceitação local.
“Em Itália temos tocado, mas não sei bem o que querem dizer com
“frequentemente” – temos as nossa ocupações como docentes e a música é a nossa
paixão e fazemo-la porque gostamos de tocar ao vivo, de fazer a nossa música e
de ouvir música dos outros; somos primeiramente fãs de música e depois é que
nos transformamos em músicos…”
E à parte os vossos day-jobs, com que frequência é tocam ao
vivo em Itália?
“Depende muito do ano – este ano já tocámos em Milão, em Modena, em Ravena,
em Bolonha, … não é fácil escolher a ocasião certa para tocar porque, nalguns
locais, as pessoas não estão exactamente interessadas em ver uma banda a tocar,
mas apenas em ouvir uma música que serve de ambiente de fundo para uma
“happy-hour” ou qualquer coisa do género, enquanto bebem cocktails (risos);
podem estar algumas bandas a tocar mas a sua atenção não está focada no palco,
mas antes na bebida, no facto de estarem juntos, é mais a banda sonora da festa
(risos)…”
Isso é outro grande
desafio, não? …“(risos)” … terem de agradar sem serem alvo das atenções…
“Sim, mas preferimos escolher a
situação certa e o sítio onde as pessoas vêm para nos ouvir em concerto,
interessadas no nosso desempenho, de escutar as palavras, portanto não é sempre
fácil encontrar uma situação como esta aqui. Mas por vezes temos tido boas
experiências, nomeadamente em Itália…”
De um modo geral, mantêm
ou não, uma vigilância apertada sobre as vossas vendas de discos? Como vão indo
nessa matéria?
“Vamos bem…a primeira edição do
primeiro álbum está esgotada, e já foi reeditado, e em relação ao segundo, “Femmina”,
está quase esgotado, sobrando de momento cerca de 20 exemplares; o terceiro, “Occhi
Neri” está a vender bem, e o mLP vinil “17.3”, segundo sabemos, também está
vender-se bem (- nota do editor - só
para o Café Europa, foram três exemplares! …) e vai ser reeditado, como dissemos, com temas extra. Portanto, estamos
contentes com a situação das nossas vendas; usualmente, quando tocamos,
vendemos bastantes cópias… mais CD’s do que vinil, porque muita gente em Itália
já não tem gira-discos, mas o vinil para nós é um suporte encantador e quando
compramos música, se houver essa escolha, preferimos sempre uma cópia em vinil
– e ouvimo-lo bastante – mas para dizer a verdade, as pessoas compram-nos mais CD’s
que vinil, quando os vendemos no final dos nossos concertos…”
Esta pergunta pretende
ser inocente e sem pinta de crítica mas, já pensaram em tornarem-se
intercontinentais? Gostariam de ir tocar à América?
“À Argentina ! ...” – parece pedir EUSKI, num tom divertido mas que
transparece um certo fascínio pela nação sul-americana… “Sim, gostaríamos de lá ir,…” – entretanto, aproveitamos para
esclarecer que quando dizemos América, queremos dizê-lo no plural, as três
Américas… “Sim, até porque temos uma
pequena base de fãs lá, fãs que se tornaram entretanto amigos, que também têm
um programa de rádio e às vezes tocam as nossas canções, e já nos pediram para
lá tocar, mas não é algo fácil de se lidar porque é caro lá ir, e tem-se que lá
ficar e eventualmente fazer uma digressão alongada e … como somos professores…
o problema é conhecido. Talvez no Verão, que lá é Inverno, portanto…seria uma
espécie de natal no verão para nós.” Atalhamos que estávamos a sugerir um
outro local nas Américas, onde poderiam ter outro tipo de sucesso – na grande
maçã Nova-Iorquina. Iriam decerto soar muito bem em Nova Iorque, (explique-se,
em jeito de nota de editor: concretamente, junto das franjas do público
descendente de 4ª e 5ª gerações de emigrantes italianos, nem que seja pela
curiosidade de ver longínquos compatriotas tocar desta forma), ao que EUSKI
responde a rir : “Mas em Nova Iorque
qualquer coisa pode acontecer… mas isso soa tudo tão estranho!”
Uma questão leva a outra
– como é que uma excelente banda, como vós, pode crescer e no entanto ser capaz
de sobreviver às exigências que maiores empreendimentos sempre implicam? Ou
colocando a questão de outra forma, algum dia estariam dispostos a trocar a
vossa independência por um contrato maior, num selo grande?
“Nunca pensámos nisso e não é
problema nosso…não digo nem sim nem não, porque está de tal modo distante da
minha vida e da realidade em que eu vivo que… para nós não é importante, porque
tocamos música porque gostamos, temos essa paixão; o que pudesse acontecer,
desde que fosse algo positivo, ficaríamos contentes por isso…”
Como é que comparariam
os vossos registos em termos puramente analíticos e com quais é que se
identificam mais?
“Realmente não conseguimos dizer – cada álbum tem um pouco de nós…cada dos
quatro lançamentos é diferente, mas cada um tem o nosso modo…algo em comum. Em
cada, coloquei memórias especiais para canções especiais” – explica EUSKI – “no primeiro, há alguns tributos a
grandes artistas, mas há também canções de que gosto muito como “A Cosa Pensi”,
que eu canto há muito tempo, comecei a cantá-la muito jovem. E também há muitas
outras. Por exemplo, em “Femmina”, é onde se vêm as minhas raízes, com os dialectos
locais que me dizem muito respeito e, em “Occhi Neri” é onde estão as mais
românticas, aquelas canções que me fazem sentir muito forte… – …É difícil
porque nos álbuns estão coisas que amamos de verdade e quando tocamos ao vivo
tocamos um pouco de cada álbum – ou o álbum todo – portanto nunca escolhemos um
só, a não ser quando recentemente escolhemos os temas de “Femmina” para um
concerto no dia 8 de Março em Ravena porque era o dia internacional da Mulher e
nos pediram para alinhar tematicamente com esse propósito, mas mesmo assim
tocámos temas dos outros discos”.
Portanto, vão-nos manter
na expectativa do seguimento do miniLP“17.3” com curiosidade…“…Talvez em Janeiro deva estar cá fora” – E
já nos deram a pista de que não vai soar muito diferente? “Vai haver primeiro uma reedição em álbum com as remisturas de “17.3”
mais cinco faixas novas, algumas mais acústicas e outras com mais surpresas,
portanto será uma mistura perfeita, no fundo para completar o que saiu no
vinil. Haverá uma versão de Tom Waits, mais alguma beat electrónica…mas vai
continuar a soar como ROMA AMOR”
Vamos então à última
pergunta – como é que sentiram o show
deste final de tarde?
MICHELE é sincero: “Muito bem – a localização era encantadora –
tocámos bem, é claro que houve alguns problemas, especialmente com o micro de EUSKI
e outros detalhes técnicos menores…”; EUSKI aproveita para sublinhar que, do que gostou mais foi a perfeita
localização, já que lhes tinham enviado imagens das ruínas da capela para
demonstrar que não seria possível fazer as projecções de vídeo planeadas para
acompanhar o concerto dos ROMA AMOR,
não só pela impossibilidade física de o fazer mas porque à hora prevista do
concerto não estariam reunidas as condições ideais para tal. Assim que viram o
local pensaram que não iriam estragar essa perfeita localização. A recepção do
público foi, para eles, muito calorosa, dando para sentir bastante em palco o
retorno da emoção, e só foi pena algum feedback registado durante algumas
canções mais emotivas, o que estragou só um pouco o ambiente. Mas ficaram muito
satisfeitos com um público tão atento e apoiante. Às vezes problemas acontecem
com audiências que falam bastante e desrespeitam as atmosferas intimistas das
suas canções, mas nessa tarde tiveram um público com uma atitude perfeita.
Conversa também perfeita
que chegou ao fim com os ROMA AMOR,
a quem só nos resta agradecer sinceramente por uma presença inesquecível neste Entremuralhas 2013.
NAEVUS @ Palco Alma -
Castelo de Leiria
Entrevista de Lloyd
James para o Café Europa
Depois de um concerto dos NAEVUS
que nos revelou o quanto uma banda já com quinze anos de intensa actividade
pode sempre progredir e afastar-se da confortável estagnação, mostrando uma
impressionante energia renovada em palco, foi tempo de regressar à varanda dos
Paços Novos do Castelo de Leiria, já o serão ia adiantado, sabendo que
estávamos a perder o que restava da nobre prestação do veterano coletivo alemão
QNTAL e que provavelmente pouco nos restaria também dos SOROR DOLOROSA, o combo
de Andy Julia, com quem já conversáramos no ano passado enquanto percussionista
dos Dernière Volonté.
LLOYD JAMES figura central dos NAEVUS,
receptivo e animado de um grande espírito de profissionalismo, concedeu-nos
prontamente uma boa meia hora para conversarmos sobre o que se passou com os NAEVUS, desde a última vez que os
víramos, já no distante 2004, na Quinta da Regaleira, na companhia dos
Knifeladder de John Murphy e Hunter Barr, este último de volta ao convívio dos NAEVUS neste EM’13.
E foi exatamente sobre o demolidor concerto desta noite de 25 de Agosto que
avançámos a primeira pergunta. Lloyd responde que gostou muito, até porque era um concerto muito importante para os NAEVUS; a banda mudou muito nos tempos
recentes, e mesmo com Hunter Barr ainda nas hostes, desde que voltou em 2009, registou-se
também o regresso de Ben McLees, que trocou a guitarra pelo baixo, e a estreia
ao vivo do novo guitarrista Sam Astley; LLOYD JAMES está muito satisfeito com o
som conseguido presentemente pela banda, para além do ambiente fantástico
proporcionado pelo Castelo, portanto não poderia estar mais contente, sendo esta
também a primeira vez que estava em Leiria e dentro do seu ex-libris histórico.
Estando os NAEVUS a celebrar quinze
anos de existência, o novo álbum de originais “The Division Of Labour” tem um
título subtil que soa literalmente a uma dica política - o que está por detrás
de tal título?
“Na realidade, o título não tem um
significado particular – é apenas uma frase que ficou na minha mente,
obviamente sem qualquer significado político; estava mais a pensar no que
aconteceu à banda…até porque inicialmente foi planeado como um álbum a solo com
esse título – queria que estivesse dividido em duas partes, uma com
instrumentais mais ou menos longos e outra com temas mais curtos, mas as coisas
foram mudando e tornou-se num álbum dos NAEVUS.
Algumas das canções são bastante tristes, refletem um olhar sobre o mundo e
para mim, o conceito de “The Division Of Labour”, para mim, enquanto pessoa
britânica, sugere o tipo de desilusão com o que aconteceu ao partido
trabalhista depois de 1997, porque para mim a minha política resume-se ao que
aconteceu com esse partido por volta dessa época, chegando finalmente ao poder,
derrubando os Tories, pela primeira vez de que me lembrava, pelo menos na minha
memória enquanto jovem adulto, e depois tudo ficou porreiro durante algum
tempo, depois lentamente as coisas deixaram de funcionar tão bem e “The Division
Of Labour” pode reflectir o facto de os Trabalhistas se terem dividido em duas
coisas…”
Portanto não sentem muitas saudades de Tony Blair?
“De certo modo, não – obviamente
ele mentiu-nos a todos; mas por outro lado, regressando ao ano de 97, começou
uma nova era de esperança na Grã-Bretanha, com a sua chegada ao poder, e eu
como outros sentimos pouco depois alguns benefícios, mas infelizmente, pouco
depois, tudo voltou para trás.”
E não haverá uma nova divisão do trabalho dentro dos NAEVUS com a chegada deste novo line-up?
“Talvez, só que no álbum
ainda só lá estou eu! (risos) Não há mais ninguém a trabalhar comigo, na
gravação do álbum; é claro que escrevi algumas das canções com outras pessoas –
há uma canção que escrevi com o Hunter e o Ben, doutro projeto que tínhamos
chamado Man-Eat-Man-Eat-Man, há outra canção que foi originalmente escrita para
uma colaboração com os Mushroom’s Patience, outras duas que foram planeadas
para uma colaboração com uma banda eletrónica francesa, portanto é um bocado
uma mistura…”.
Perguntamos então se chegou mesmo a trabalhar com os elementos dos
italianos Mushroom’s Patience;
“Na realidade nunca
cheguei a tocar com eles, mas contribuí com vocais para uma faixa deles, mas
como não chegou a ser lançada, acabei por lançar primeiro a minha versão do
tema (risos)…”
Não será muito fácil trabalhar com os Mushroom’s Patience, dada a
peculiaridade do seu som… Lloyd discorda e afirma “ser um grande fã dos italianos e seguir os seus lançamentos há alguns
anos; e grupos como os Mushroom’s Patience e NovySvet motivaram-nos com grande
inspiração.” Rafaelle Cerrone, o mentor dos Mushroom’s Patience, é, na sua
opinião, praticamente um génio, para além de ser um músico a sério, é um pintor
incrivelmente talentoso.
O uso da linguagem, com todas as suas convoluções, tem sido uma marca de
água para as líricas dos NAEVUS – na
nossa ótica, por vezes, uma mistura de sarcasmo a sangue-frio, por outras uma honestidade
incansável, assim como uma rara capacidade para introspecção, através duma apta
compreensão das realidades psico-sociais; achas que perspectivas como a vossa
estão a ficar cada vez mais raras nas bandas britânicas? Será que ser ou soar
sério é hoje em dia algo a evitar na cena musical britânica?
“Duma forma geral não
são muitas as bandas britânicas a prestar atenção às líricas que escrevem,
havendo no entanto algumas excepções, como por exemplo os Radio Silence, que é
o projeto pessoal do nosso guitarrista/baixista Ben McLees, que tem talvez das
mais brutalmente honestas letras que alguma vez ouvi, realmente cruas e
emocionalmente sinceras. Mas não creio que as minhas caibam nessa categoria –
não são assim tão sérias e até acho que algumas são um bocado patetas. Não que
o sejam no seu valor, mas na forma como as palavras se ligam, por vezes criam
combinações meio idiotas, palavras que parecem não fazer sentido quando se
juntam. Portanto de uma forma geral, não me lembro de nenhuma outra banda que
faça as coisas assim, mas também não me ligo muito a outras bandas, para além
daquelas com as quais normalmente me associo na Grã-Bretanha e que levem as suas
líricas muito a sério. Há de certo influências para trás, penso que algumas das
coisas que estudei no passado me influenciaram, algo na linguagem que me faz
parecer bastante destacado, isolado, desapaixonado, mas na generalidade não
passam de alinhamentos de coisas que escrevo ocasionalmente e que junto na
forma de líricas, numa história.” Observamos nós que de
uma forma bem ponderada… “Espero que sim!
Qualquer coisa que eu ache que não funciona é imediatamente deitada no lixo! (risos)”.
Parece haver consenso crítico à volta do facto de que os NAEVUS são de certo modo
porta-estandartes do legado indie
britânico dos anos 80, sem nunca soarem “retro” ou abertamente nostálgicos.
Como é que se consideram?
“Não sei … na realidade
eu não diria anos 80 mas talvez do final dos anos 70! (risos)” – Concordamos inteiramente! – “Quer
dizer, quase todas as bandas foram para mim tremendamente influenciadoras;
provavelmente os melhores trabalhos entre 78 e 82 – e tenho de ser honesto, é o
período musical que mais me influenciou - bandas como os Magazine, PIL, os Cure
iniciais… (Nota do editor – “How I understand you, Lloyd!” - esta ideia faz-me lembrar uns versos de “Slip Away” do Bowie, em “Heathen”
(2002): “down in space it’s always 1982,
the joke we always knew…what’s the matter with you? Come on let’s go…slip away…”).
Algumas referências na web dizem
que finalizaste o trabalho em “The Division of Labour”, num esforço solo, aliás
como acabaste de confirmar; temos de admitir que não tomámos consciência das
partidas de Joanne e Greg Ferrari e de que até mesmo a colaboração on-off de
John Murphy estava de novo “off”; presentemente tens um line-up novinho em folha. Podes esclarecer-nos sobre a versão final
das mudanças?
“Tudo aconteceu muito
naturalmente, quer dizer, com o John, tocámos recentemente em Itália, mas aspectos
da sua vida pessoal condicionaram-no, agora, a permanecer basicamente na Europa
continental, outros acontecimentos na vida de Joanne que a levaram a pôr a
música um pouco de parte e o mesmo para o Greg, cujo trabalho principal de
momento acabou por tomar conta da sua vida. Portanto tudo aconteceu muito
naturalmente com esse line up em particular, para que chegasse ao fim. De
resto, temos estado a tocar de novo com o Hunter Barr dos Knifeladder desde
2008 ou 09, e antes já ele tinha tocado connosco em 2003 e 04, e o Bem McLees
já está na banda desde 2008, por isso, mesmo que pareça ser um novo line-up, é
na realidade um pequeno núcleo de pessoas que já colaboram com os NAEVUS há já algum tempo e em
diferentes pontos do passado, e no caso do Hunter, há muito tempo. Portanto, eu
não o sinto como uma coisa completamente nova, há sem dúvida uma continuidade
com as pessoas que toquei previamente.” Quer isso dizer que a
estabilidade interna da banda não é uma prioridade, ter um staff fixo e
permanente…? “Seria bom mas, sabes como
é, não se pode controlar o que se passa na vida de uma pessoa, está sempre tudo
a mudar, … a banda esta noite soou muito bem e espero que este line-up continue
por algum tempo…”
Voltando ao que dissemos há pouco, neste novo álbum, os Naevus soam
diferentes; a dureza já não está tanto à superfície mas está diluída na
profundidade de algumas das canções – de resto quase todas as canções soam mais
profundas neste “The Division Of Labour” – será este o teu disco mais pessoal?
Qual foi a fonte principal de inspiração que usaste, tendo em linha de conta
que não é um álbum conceptual?
“Sim, de facto é, de
todo, tudo e qualquer outra coisa menos um álbum conceptual, tendo em conta o
que fizemos antes – as canções foram escritas em tempos diferentes, todas com
fontes completamente díspares e, na realidade, quando comecei a montar o álbum
fiquei um pouco surpreendido por ver um certo tipo de temas comuns, dos quais
não tinha tido noção até o disco estar acabado. (risos) Mas há de facto temas
comuns, embora seja uma construção peça a peça, uma canção escrita com o
Rafaelle (Cerrone, Mushroom’s Patience), outra com o Hunter Barr, outra com o
Ben, outras ainda delineadas anos antes para outros projetos paralelos, e
quando as reuni, foi muito interessante porque me apercebi de que tendiam a ser
temas mais fortes do que quando eu escrevo para mim, quando são para outros
projetos com outras pessoas - percebes o que quero dizer? Portanto, quis fazer
com que tudo isso encaixasse num só bloco, e daí que tenho resultado no álbum
mais a La NAEVUS até ao presente.
Há um quarteto de canções que, paralelamente às que soam mais envolventes,
parecem, no mínimo mais oblíquas, nomeadamente “Bleat Beep”; “Idiots, Let Me In”;
“Hobbo Placing” e “Chalk is Valuable”; é esse o outro lado da música dos NAEVUS do qual não queres abrir mão?
“Três dessas canções são
de facto muito diferentes – “Idiots” foi escrita para os NAEVUS, e é uma canção muito simples, apenas puro divertimento, e “Bleat
Beep” será talvez mais pessoal, um pouco louca em termos de música porque é
muito…pelo menos eu sinto-a como uma expressão de como o meu cérebro funciona,
é uma estrutura
muito pouco usual (risos) e encontrei a fórmula do “Bleat Beep” que sempre
gostei de enquadrar numa canção, e tornou-se numa das minhas favoritas” … Hobo
Placing” é realmente forte! “Oh,
obrigado! Mas essa foi escrita inicialmente para uma banda francesa Propergolli
Collergol , mas com uma música diferente – (nota do editor :
não confundir estes com os velhos Industriais Propergol) – “sim estes são um grupo diferente,
e que vão em muitas direcções diferentes, mas são um grupo francês muito
interessante, que me pediram para fazer uns vocais para uns temas há já alguns
anos, e algum tempo depois fiz as minhas próprias versões. Era música diferente
mas com as líricas que tinha escrito para eles. Mas o arranjo original foi-se gradualmente
inserindo no live set de um outro meu projecto, os Retarder, que tem material
mais abstracto … originalmente “Hobo Placing” pertencia aos Retarder, mas
acabou por passar para os NAEVUS. E
o “Chalk is Valuable” também veio dos Retarder, mas era uma versão acústica.”
Lidando com as mudanças internas, nunca foste pessoa de recusar
colaborações de colegas igualmente talentosos; ao cabo de mais de uma década,
tanto os NAEVUS como o próprio LLOYD
JAMES foram bem-sucedidos em bastantes aventuras conjuntas; que tipo de impacto
achas que tudo isso causou no teu público, nos teus fãs, dividindo o teu
trabalho por outros projetos?
“Não sei que impacto
terei tido nos fãs, porque não tenho muita consciência deles (risos)…” – bom, talvez junto dos amigos… - ”Sim,
talvez os meus maiores fãs sejam os meus amigos mais próximos, sim,… mas não
penso que seja assim mesmo, quer dizer, apenas gosto de fazer música com outras
pessoas; para além de cantar e tocar as minhas próprias canções, adoro tocar
bateria, tambores, e por isso toco bateria nalgumas bandas porque é uma das
coisas que gosto mesmo de fazer, é muito agradável tocar com outras pessoas, na
generalidade, sim, com os amigos…recentemente fiz vocais para os Kirlian
Camera, Der Blutharsch, David E Williams, … “ – para “O” David E Williams?
…”…o David é meu amigo e eu contribuí com
alguns vocais para o seu último álbum, e também tocámos ao vivo juntos algumas
vezes, no passado. Pessoalmente, acho que o David E Williams é fantástico, é um
dos melhores escritores de canções por aí, quer dizer, de sempre. Sou um grande
fã dele…” – E nós também!
Sendo esta a terceira vez que tocam em Portugal, desde a data de 2004 em
Sintra com os Knifeladder, e depois anos mais tarde com Rose McDowall, e agora
sendo uma das estrelas de cartaz do Entremuralhas de 2013, que tipo de retorno
tens tido do público português? Tens alguma ideia de como estás aqui em Portugal
em matéria de vendas de discos? A Equilibrium Music continua a ser praticamente
a vendedora exclusiva dos vossos trabalhos…
“Para ser honesto, em
termos de vendas de discos, não faço mesmo a mínima ideia… Não, não recebo
relatórios…bem, às vezes, mas não são muito detalhados, (risos), quero dizer,
já me encontrei com o pessoal da Equilibrium, que são rapaziada impecável, têm
vendido bem o nosso material e fico-lhes muito agradecido por isso, mas penso
que o fazem através de outra distribuidora, portanto, lamento mas não sigo os
pormenores e não tenho uma ideia precisa de como é que as coisas se estão
processar nesse campo.”
Estás de algum modo a par de alguns dos grupos portugueses que cruzam
caminhos semelhantes aos vossos?
“Talvez o mais próximo
de que me tenha dado conta foi quando em 2003 foi lançado um tributo a Scott
Walker, (Angel of Ashes) e lembro-me de ter conhecido alguns grupos vossos
excelentes, mas quando penso numa banda dessas, navegando numa área semelhante
à nossa, não me consigo lembrar de nenhum nome…” – Mas como tens amigos próximos aqui em Portugal, talvez eles te tivessem
enviado amostras do que se vai fazendo por aqui…” Talvez no passado mas tenho uma péssima memória para isso…(risos)…não
lembro mesmo…(risos)”.
Acabámos de ser informados do lançamento de “Stations”, uma compilação de
material vosso, muito promissora, com raridades, temas perdidos em compilações,
colaborações, canções que só apareceram em outras antologias prévias; e como se
não bastasse, as primeiras 100 cópias terão um álbum de bónus com covers de clássicos, vossos favoritos,
para além de alguns dos vossos cavalos de batalha do passado. O Natal já chegou
e não reparámos?
“Foi uma coisa que
andámos a planear durante anos e anos, foi uma coisa que sempre quis, porque
também sou um colecionador de discos, não tanto no sentido de caçar raridades
mas mais de completar as obras integrais, e sempre quis oferecer uma edição que
reunisse todas as gravações que já estão fora de prensagem, portanto se
adquirirem estes dois últimos lançamentos dos NAEVUS ficam com TUDO! (risos)”.
Uma última pergunta – o que pensam deste festival e do local?
“É um local fascinante –
já tirei imensas fotografias - e este festival tem sido mesmo fantástico, com
uma atmosfera fantástica; ainda agora vim lá de baixo, com o resto da banda,
basicamente estivemos a saborear a alegria e a atmosfera, o ambiente notável
conseguido … chegámos ontem à noite e infelizmente não tivemos grande
oportunidade de ver as bandas que tocaram ontem, estava à espera de ainda vir a
tempo de apanhar o Simone e os SPIRITUAL FRONT, mas infelizmente já tinham
tocado; consegui vê-lo ao pequeno-almoço esta manhã, mas foi só, e é uma pena
que não os tenha visto porque eles são uma banda fenomenal. Sim, mas o resto do
festival tive oportunidade de acompanhar, especialmente os ROMA AMOR, estiveram
grandes na capela, outro local fantástico…”.
Mais algum recado que queiras deixar aos nossos ouvintes?
“Obrigado pela vossa
entrevista e obrigado a todos aqui que nos possibilitaram tocar, e só dizer que
é ótimo estar de novo em Portugal! Espero conseguir comer amanhã um bom prato
de peixe! (risos)”
Foi esta mais outra animada conversa com um dos quatro intervenientes no
Entremuralhas 2013, escolhidos pela equipa do Café Europa para ilustrarem a
nossa cobertura do evento, LLOYD JAMES dos ingleses NAEVUS, um bom observador “bon-vivant”,
dos dias que correm nesta nossa velha Europa.
QNTAL @ Palco
Alma - Castelo de Leiria
O Palco Alma fechou para o EM’13 com o regresso dos QNTAL.
Embora com alguns problemas com o som devido ao grande número de
instrumentos usados, não deixou de ser um momento marcante deste festival. Se
as sonoridades góticas estão deveras marcadas no denominado rock gótico, é sem
dúvida em bandas com os QNTAL que a denominação não se ajuste no enquadramento
histórico do movimento.
Foi um desfilar de histórias ancestrais, com epicentro na idade média,
fazendo recuar todos os presentes àquela era, a qual dado a envolvente não
poderia ser a mais adequada.
A conjugação da electrónica com os
sons medievais, associada à teatralidade de Michael Popp e Sigrid Hausen não
deixa ninguém indiferente. O casal mentor do projecto mostrou-se bastante comunicativo,
contando histórias entre as músicas, criando forte ligação com o público. O theremin
de Michael Popp e o violino da bela Mariko marcaram logo a abertura do concerto
no tema “Translucida”. Mas foi um desfilar de uma dezena de temas que pareceram
poucos para quem assistiu. Infelizmente nós só assistimos a metade pois Lloyd
James esperava-nos para a entrevista.
Ficámos a aguardar por outra oportunidade para rever os místicos QNTAL.
SOROR DOLOROSA @ Palco Corpo - Castelo de Leiria
A invasão francesa estava agendada para o final do EM’13 e o local foi o
Palco Corpo.
Na frente vieram os SOROR DOLOROSA comandados pelo general Andy Júlia, um
autentico rocker a lembrar figuras míticas como Iggy Pop, Jim Morrison ou Ian
Astbury.
Na bagagem (e na banca do merchandise) traziam o novo álbum “No More
Heroes”, no entanto, daquele palco só transpirava recordações e invocações de heróis.
Aos primeiros três temas “Hologram”, “A Dead Yesterday”, e “43º”, aqueles em que a presença dos
fotógrafos era massiva à frente do palco, Andy de fato de couro aberto, mostrou
saber todas as poses com que os seus heróis ficaram registados para a
imortalidade. Depois tirou o blusão e, em tronco nú lembrando Iggy Pop e
bebendo vodka como Jim Morrison, tornou-se ele o herói, com diversos piropos a
ele dirigidos, vindo da parte do público feminino.
Os restantes membros ofuscados pelos fumos, foram extremamente competentes
mas meros figurantes face ao vedetismo de Júlia, que nem com a falha de
microfone durante o tema “Silversquare” se atrapalhou, mantendo uma pose
irrepreensível em palco.
Andy Júlia sem dúvida um novo herói.
KAP BAMBINO @ Palco Corpo - Castelo de Leiria
E o fim do EM’13 chegou, e quem o trouxe foi, talvez, a escolha mais
polémica das, até agora, quatro edições do Entremuralhas. A dupla francesa que
dá pelo nome de KAP BAMBINO não tinha agradado aos góticos mais indefectíveis,
mas o que esses simplesmente desconheciam era as prestações ao vivo dos KAP
BAMBINO, e em particular essa força viva que é a pequena Caroline Martial.
Desde os primeiros momentos assistimos e participámos dum ritual intenso
tendo como mote a electrónica agressiva e a voz, os gritos, os guinchos, o que
quer que lhe queiram chamar aquilo que saia da boca de Caroline, que não parou
nunca durante todo o concerto, saltando, dançando, quer no palco quer
conjuntamente com o público, que também, por muito que quisesse não conseguia
estar quieto, participando no ritual dançável.
Foi uma hora de concerto que os resistentes que souberam esperar por aquele
momento não esqueceram nunca. Pode-se não apreciar muito as suas gravações mas
em concerto … bem … são fenomenais. Boa escolha FADEIN um final arrebatador.
MURALHARTES @ Castelo de Leiria
Por último há que salientar que o Entremuralhas não é só
música.
Paralelamente ao concerto tivemos, no castelo, uma exposição permanente denominada
de MURALHARTES, De onde realçou a peça estrategicamente colocada na parede de
fronte á entrada da igreja da pena, a escultura Fénix de Ana Costa, uma mulher nua manchada de sangue que
saltava de imediato à vista de quem lá entrava e que, segundo parece ali irá
permanecer. Além disso tivemos a habitual projecção de filme sobre a parede da
Torre de Menagem, que infelizmente não tem muita adesão, porque simplesmente
passam á mesma hora dos concertos, logo, difícil será trocar os concertos pelos
filmes. Os filmes escolhidos deste ano foram Frankenstein um filme de 1931
realizado por James Whale e O Fantasma da Ópera de 1925 com
realização de Rupert Julian.
E assim chegamos ao fim desta nossa reportagem ao EM’13, deixando, desde já
um agradecimento aos artistas pelas entrevistas concedidas, à magnífica equipa
da FADEIN, com um abraço particular ao Carlos Matos, quer pela imaculável
organização quer pelas facilidades que nos foram concedidas, e obrigado a todos
vós pela dedicação ao Café Europa.
Resta-nos esperar que no ano que vem, o Entremuralhas nos continue a
surpreender como este ano.
Já falta menos de um ano …
Texto: JCS e AF
Photos:AF