Especial Festival FadeIn Entremuralhas 2013 –
Review 1.º e 2.º dia
“Banda Sonora da Reportagem”
01.
DEINE
LAKAIEN (GER)
02. DER BLAUE REITER (ESP)
03. LEBANON HANOVER (GB)
04. TRIORE (SWE/GER)
Iniciamos com este post a
reportagem à quarta edição do Festival Entremuralhas, mais uma magnífica
organização da FadeIn, que decorreu na cidade de Leiria, em formato
ligeiramente diferente das edições anteriores, quer no espaço físico, quer no
temporal. Tivemos pois, este ano um Festival repartido por três dias, no fim de
semana de 23 a 25 de Agosto, e que na primeira noite teve o palco do Teatro
José Lúcio da Silva, como espaço com honras de abertura do Festival, cabendo,
tais honras, aos germânicos Deine Lakaien, que num registo acústico, deram
sequência ao seu último trabalho discográfico.
No sábado, 24, o Entremuralhas
rumou ao seu local de eleição, o majestoso castelo de Leiria, onde tivemos os
concertos repartidos pelos, também habituais, três palcos: Palco das Ruínas da
Igreja da Pena, Palco Alma e Palco Corpo.
Depois dos DER BLAUE REITER,
ainda no palco das Ruinas da igreja da Pena estrearam-se em PT os britânicos LEBANON
HANOVER que trouxeram em carteira os dois álbuns de 2012, “The World Is Getting
Colder” e “Why Not Just Be Solo” para base da sua apresentação. Foi um concerto
que infelizmente apenas assistimos de forma fugaz, pois há mesma hora tínhamos
agendada uma entrevista com Tomas Pettersson.
A etapa seguinte desenrolou-se
no Palco Alma, localizado junto à Torre de Menagem e cujas características do
espaço físico que o rodeia deu origem ao nome muito apropriado deste festival.
Os primeiros a subirem ao palco
alma foram os sueco-germanicos TRIORE, um projecto formado por Christian
Erdman, o frontman dos TRIARII e por Tomas Pettersson a cara-metade masculina
dos suecos Ordo Rosarius Equilibrio.
Dada a escassez de apresentações
ao vivo deste projecto este era sem duvida um dos momentos que grandes expectativas
criaram desde que a sua presença no EM’13 foi anunciada.
Tanto mais que os senhores
seguintes também já tinham trabalhado com Pettersson o que poderia augurar um
possível regresso ao palco após os TRIORE. Infelizmente tal não ocorreu, mas,
os italianos SPIRITUAL FRONT foram os reis do castelo de Leiria na noite de 24
de Agosto do ano de 2013.
Mais à frente para além da
apreciação mais pormenorizada destes concertos e entrevistas com Tomas Pettersson
e com Simone Salvatori.
Entrevista com o SPIRITUAL
FRONT, Simone, que nos impediu, praticamente, de assistir, no palco corpo ao
concerto dos alemães MERCIFUL NUNS, mas que, do pouco que vimos e segundo a
opinião de algum do público que escutámos no local, pautou-se pela competência
não desiludindo, muitos dos fãs que se deslocaram ao castelo tendo como
objectivo principal precisamente este concerto.
A encerrar a segunda noite, os
austríacos NACHTMARCH dos quais apenas nos apetece dizer que se mostraram a
aposta perdida deste Festival.
Depois desta breve abordagem
aos dois primeiros dias do EM‘13 passámos agora à apreciação, aos concertos,
bem como às entrevistas que efectuamos com Tomas Pettersson dos TRIORE / ORE e
ao gentleman Simone Salvatori.
DEINE LAKAIEN @ Teatro José Lúcio da Silva
O EM’13 iniciou-se nesta edição
fora das muralhas do belíssimo ex-líbris patrimonial de Leiria, concretamente
na habitual sala dos eventos FadeIn: o Teatro José Lúcio da Silva.
Pouco passava da hora marcada
quando a figura caracteristicamente gótica do macedónio Alexander Veljanov
cruzava com passos decididos o espaço da boca de cena, lado a lado com o seu
colega Max Ernst, os dois DEINE LAKAIEN, veteranos da cena dark-wave-gótica
germânica, no activo já desde 1985. Para uma sala bem composta, com plateia e
balcão plenos de dedicados e conhecedores admiradores de DEINE LAKAIEN, o
concerto que se seguiu foi um repositório das versões acústicas de clássicos
antigos e recentes, de acordo com a série de regravações e concertos realizados
nos últimos tempos sob a égide da execução vocal apenas acompanhada ao piano,
neste caso, um grand-piano preparado (ou melhor dizendo, em constante
transformação).Quanto ao decurso do espectáculo de abertura do EM’13, digamos que durante cerca de duas horas assistimos a um reencontro intimista mas emocionado com o legado gótico e dark dos anos 80 e 90, obviamente, todo ele pertencente ao grupo alemão, se bem que optimizado pelo verdadeiro espírito de festival que se começava a desenvolver. Esse ambiente misto de excitação e felicidade do reencontro anual com algumas das músicas de preferência estava estampado no rosto regra geral soturno das gentes de negro vestidas, e o facto de serem dois dos seus mais prestigiados representantes a darem o tom à abertura, aumentava o impacto da ideia de que iríamos assistir a 3 dias (ou mais exactamente, uma noite e dois dias) de intenso desfile musical, onde se inserem igualmente os rituais totalmente diferentes de todos os restantes festivais de verão.
Alexander Veljanov, muito bem
impressionado pela recepção obtida, mostrou-se recíproco face ao seu público,
de resto já conquistado, e trocou agradecimentos, gracejos e anedotas, enquanto
mantinha o rumo do concerto, repescando temas como “Second Sun”, “The Game”, “The
One And Only Night”, “A Fish Called Prince”, “Return”, “Dead and Gone”, “Without
Your Words”, “Fight In The Green”, “Blue Heart”, e os favoritos do público “Dark
Star” e “Over And Done”, entre muitos outros. Max Ernst, enquanto manipulador
de vários instrumentos ao longo da já extensa carreira dos DEINE LAKAIEN, nunca
deixou muito à imaginação, sendo capaz de operar uma vastíssima panóplia de
maquinaria electrónica-digital. Mas à sua frente estava um grand-piano, um
piano de cauda, no qual se propunha a reinterpretar os grandes momentos de uma
carreira de mais de 25 anos de discos! Preparando, adaptando, transformando,
enfim, por vezes quase violentando a integridade física do piano e pondo em
risco a sua, Max Ernst soube e fez subir a expectativa, a emoção dos fãs e até
o interesse dos somente curiosos ali presentes. Prestação demolidora, dir-se-ia
esgotante da energia do músico, caso não fosse a sua humildade e simpatia,
somente se levantando para agradecer com um sorriso de satisfação e recuperar
um pouco do fôlego. No final, depois das despedidas e palmas da praxe, o coro
de aclamação permaneceu por dois ou mais minutos, até que o duo regressa para
mais 3 temas de encore que fixaram a noite como uma das muitas memoráveis no
historial do Entremuralhas e dos festivais da Fade In. Para começar o
fim-de-semana, a cotação dos espíritos não poderia ser mais elevada! ... Quer
já se fosse fã anteriormente ou apenas vago conhecedor, estas honras de
abertura para os DEINE LAKAIEN de certo proporcionaram-lhes maior e merecida
fama em Portugal. Reiteramos – um concerto que não se esquece.
DER BLAUE REITER @ Ruínas da Igreja da Pena
- Castelo de Leiria
E foi com as notas de piano de
Max Ernst e a voz de senhor feudal de Alexander Veljanov a ecoar-nos na cabeça,
que passámos para o outro dia, sábado 24 de Agosto. Sol alto sobre o Castelo e
a tradicional movimentação no sopé do centro histórico de Leiria.
O Segundo dia do EM13, abriu no
espaço idílico que são as ruínas da Igreja de Santa Maria da Pena, ponto de
equilíbrio entre o estilo arquitectónico e o espírito do festival. As honras de
abertura foram para os catalães DER BLAUE REITER o duo formado por SATHORYS
ELENORTH & LADY NOTT, que regressaram precisamente ao mesmo local, dois
anos depois de aí se terem apresentado com o projecto NARSILION acompanhados,
na altura por elementos dos suecos ARCANA e dos SOL INVICTUS que faziam parte
do elenco da edição 2011 do EM.
O regresso dos DER BLAUE REITER
a palcos nacionais há muito que se esperava e tendo como pano de fundo a beleza
arquitectónica daquele espaço, as batidas marciais, sob os samplers pré
gravados adquiriram uma projecção que nos remeteram desde logo para um cenário
temporal bem distinto destes dias de hipocrisia.
Foi um desfilar de uma dezena
de temas fortes da sua discografia, com enfoque para o álbum “Nuclear Sun” e
canções como “The Eyes Of The Lost” com que abriu o concerto, e onde se denotou
algum nervosismo inicial que depressa foi ultrapassado, ou ainda “The Beggining
Of The End”; o brilhante “First of May”, com o majestoso hino russo como intro
e a finalizar o concerto “In Memoriam”.
Um inicio do EM’13 no castelo
de Leiria que colocou, desde logo, a fasquia no topo.
LEBANON
HANOVER @ Ruínas da Igreja da
Pena - Castelo de Leiria
Depois dos Der Blaue Reiter,
ainda no palco das Ruínas da Igreja da Pena, a estreia em solo luso dos LEBANON
HANOVER. Um dos projectos que trouxe até ao Festival alguns fãs estrangeiros, e
que apesar do muito interesse que tínhamos em assistir à sua prestação apenas
nos foi possível assistir a momentos fugazes, pois tínhamos agendada uma
entrevista com TOMAS PETTERSSON há mesma hora.
Do pouco a que assistimos
pareceu-nos existir muito nervosismo em palco que levava a um grande
distanciamento entre a dupla William Morris / Larissa
Georgiou e o público que enchia por completo as ruínas da Igreja da Pena,
tornando o fim da tarde daquele sábado de final de um quente mês de Agosto, num
anoitecer outonal. A qualidade das músicas que os seus trabalhos discográficos
não tiveram pois a demonstração em palco. Talvez a banda tivesse sentido
demasiado a responsabilidade de estar num festival que já ganhou estatuto
internacional, pelo que se fica a aguardar o seu regresso a um palco nacional
só para eles.
TRIORE @ Palco Alma – Castelo de Leiria
Com conversa marcada com
elementos dos germano-suecos TRIORE para a hora dos aperitivos, isto é, antes
do show, uma vez que estes actuariam imediatamente antes dos italianos SPIRITUAL
FRONT, a equipa dos “The Guys From Café Europa” foi-se perfilando junto das
bancas imediatamente sobranceiras ao aterro do palco principal, onde
reencontrávamos a Equilibrium Music, ou artesãos góticos com as suas merchandises, passando pela de uma
inteligente e sedutora campanha de higiene dentária protagonizada por duas
impressionantes feiticeiras que nos ofereciam rubras maçãs para mordermos e
depois olharmo-nos no espelho; entretanto Christian Erdmann e Tomas Pettersson
já tinham chegado e preparavam eles mesmos a sua banca de merchandise TRIORE.
O imparável Carlos Matos tinha
acabado de nos avisar que, contrariamente ao esperado, Christian Erdmann, a
parte germânica dos TRIORE, e único elemento dos TRIARII, tinha peremptoriamente
afirmado que não dava entrevistas, e que apenas Tomas, dos Ordo Rosarius Equilibrio,
estaria na disposição de falar. Contornando a arrogância do alemão e
dirigindo-nos frontalmente ao sueco, apresentámo-nos e, após poucos minutos de
preparação do lugar, iniciámos a entrevista - quem recusa entrevistas está no
seu pleno direito de ser ignorado, um desígnio que respeitamos profundamente. Tomas
Pettersson é um loquaz e cerebral conversador; perspicaz e com uma percepção
aquilina; receptivo (mas não muito), cordial mas sem exageros, e acima de tudo,
incapaz de gastar tempo a fazer mesura e conversas de café. Mostrou-se contudo
genuinamente interessado nas nossas questões, empenhando-se para nos veicular
respostas objectivas e sem rodeios, por vezes incisivo e implacável, outras
evidenciando bom senso e equilíbrio na sua posição de figura principal de dois
grupos que, de uma forma ou de outra, ocupam um lugar de destaque na nova
música europeia.
O resultado da nossa conversa
com Tomas Pettersson está patenteado no texto integral da nossa edição / tradução
da conversa original que seguidamente transcrevemos:
Entrevista
de TOMAS PETTERSSON (O.R.E. / TriORE) para o CAFÉ EUROPA
Para início da nossa conversa com Tomas Pettersson dos
TriORE / O.R.E., questionámo-lo sobre a aparente ausência de documentação live no canal “Youtube” – quer se goste
ou não, uma espécie de barómetro de existências e actividades nos dias que
correm – sublinhando que, à parte um ou outro clip gravado ao vivo em Berlim ou em Roterdão nos últimos dez
meses, pouco mais se consegue encontrar; quererá isto significar redução de
prestações ao vivo, em consequência de preparação de material novo, que de
resto começa a estar presente no alinhamento desses mesmos concertos. Tomas
admite que sim, até porque há planos para em breve lançar mais um álbum, quatro
anos após “Three Hours”, e ainda um EP, sendo este o novo material a apresentar
nessa noite no Entremuralhas; parte dele já tinha sido revelado em Colónia em
Maio, enquanto no show berlinense
documentado no “Youtube”, apenas foi mostrada uma faixa nova. Mas, tudo se
insere no lançamento de um novo CD que deverá ser posto em circulação no final
deste ano, e por conseguinte, o EP nos primeiros meses de 2014.
E que outras tarefas, para além das respectivas bandas individuais,
completaram os TriORE recentemente? “Para
além da composição de novo material, cada um esteve ocupado com o seu próprio
projecto – Triore é apenas algo paralelo a TRIARII e O.R.E e é mesmo por isso
que as coisas não avançam tão rápido quanto se espera, entre as duas partes
envolvidas, com todo este tempo entre lançamentos. Mas é primeiramente porque
ambas as bandas ocupam muito tempo a nível individual.”
Não poderá então a decisão de criar um projecto paralelo
apenas soar lógica na mente da banda (para além do público mais atento)? Não
poderá haver o cansaço de estarem sempre a explicar, a justificar o tempo de
ausência entre discos? E mais, tendo percorrido já cinco anos de colaboração,
como explica Pettersson essa manutenção no activo? Será difícil? Com algum
humor, Tomas reconhece que é até muito fácil – os TriORE têm subsistido exactamente
por nada fazerem depois da edição do primeiro álbum.
Pessoalmente, tem investido nos O.R.E. e o mesmo acontece
com Christian Erdmann nos TRIARII e o milagre de manter o projecto TriORE por cinco
anos é mesmo fruto de uma certa inactividade.
Acrescenta: “Normalmente
encontramo-nos em Estocolmo – Christian é mais móvel, dado viver sozinho nos
arredores de Munique, enquanto nós somos três e isso implica que seja mais
fácil para ele se relocar em Estocolmo, e tem sido assim que temos trabalhado
até ao momento; temos ainda a internet que é verdadeiramente uma ferramenta
maravilhosa que nos permite trocar pastas e pastas de som, e é assim que temos
trabalhado”.
Normalmente os TriORE, para além do duo, apresenta ao
vivo a colaboração de assistentes e a primeira noite do Entremuralhas não será
excepção; o projecto foi concebido a pensar em só duas pessoas mas essa
percentagem de 50/50 nem sempre é passível de garantia – esta noite, diz, “será 33,3 % de TRIARII e de 66,6% de O.R.E.”,
dado que o habitual guitarrista da banda se lhes juntará em palco.
Uma das particularidades do som dos TriORE, é o uso de
material pré-gravado que se combina com percussões vária e guitarras acústicas
ao vivo – nem sempre uma tarefa muito simples de se cumprir. Trata-se mesmo de
um caso em que a “prática aperfeiçoa”? Ou não seria melhor não arriscar falhas
e trazer tudo já gravado no laptop? Poderia neutralizar o entusiasmo de tocar
ao vivo? “Tocar ao vivo é algo a que nos
habituamos depois de um longo período de tempo, e não importa o quão original
sejam as nossas ideias, não passarão o teste do tempo, independentemente do que
possam ser; de certo modo, o material pré-gravado pode ser uma vantagem
nalgumas salas e, noutras, uma desvantagem. Tomas afirma não ter preferência
por nenhuma das abordagens, mas quando se trabalha enquanto banda com músicos
ao vivo, é-se capaz de trazer mais outro elemento para a prestação, que é o
mesmo que dizer que se pode partilhar a alma, o sentimento de cada um em palco.
Trabalhar exclusivamente com objectos inanimados como laptops implica encontrar
essa alma de uma outra forma durante os concertos, mas, da forma como o temos
vindo a fazer, permite-nos usá-los simultaneamente com instrumentos ao vivo e
realizar o mesmo tipo de concerto que uma banda inteiramente composta por
instrumentos ao vivo consegue. Daí que não abandonaremos esses instrumentos em
benefício da perfeição – é melhor ter imperfeição e uma alma em palco do que
ter a perfeição de um vazio …
Nunca existiu o receio – perguntamos nós – de que as
influências provenientes de cada um dos projectos envolvidos pudesse de alguma
forma transpirar demais sobre o trabalho dos TriORE? E mesmo que aconteça, qual
será a melhor forma de lidar com o facto? Tomas procura pôr os pontos nos “is”:
“O nascimento dos TriORE resulta exactamente
da colaboração de 2006 entre Tomas e Christian para o álbum desse ano dos TRIARII,
Pièce Heróique, no tema “Roses 4 Rome” – foi aí que tudo começou. Mais tarde
continuámos nesse caminho, sem um plano delineado e se “Three Hours” fosse o
único disco resultante, que assim fosse. De momento temos para já a ambição de
lançar pelo menos mais dois álbuns e claro, claro, tudo é alvo da influência
dos nossos próprios grupos – seria estranho se assim não fora. Não partimos
para isto com a ideia de soarmos exclusivamente únicos, antes estávamos mais
dispostos a que fosse uma espécie de híbrido resultante da combinação de ambos
os projectos. É o que temos em mente – ambos fazemos o que melhor sabemos e o
som é um híbrido de ORDO e TRIARII.”
Não é fácil escutar os temas de TriORE e não mergulhar na
profundidade da poética das líricas – como é que poderia descrever sumariamente
o seu nexo poético? Tomas nega ser capaz de o fazer, preferindo deixar a tarefa
para cada um que as escuta; com os ORDO é frequentemente questionado sobre o
significado e explicação das suas letras, sobre o seu conteúdo e o que com elas
pretende dizer. Isso, sabe-o ele bem, mas pensa que não lhe compete descrever a
ninguém o que significam – isso é para cada um decidir.
Como é que trabalham juntos, quando em estúdio?
Autoproduzem-se ou fixam-se em antigas abordagens industriais, tipo
“faça-você-mesmo”? Concordam que o advento e chegada da parafernália digital,
ao invés de descaracterizar potenciaram o processo criativo? Tomas sublinha que
não se auto-impõe necessariamente um
regulamento, no que concerne aos prós e contras do que usa em estúdio – não o
faz com os ORDO e também com TriORE – e se por exemplo me lembrar de usar o som
de uma orquestra de cordas e se não achar os meios para o fazer através da
minha biblioteca de samples, então terei de me esforçar para encontrar a melhor
solução.
É claro que há uma
grande vantagem no uso de instrumentos digitais, guardados em grandes
bibliotecas virtuais, porque há sempre maneira de esboçar música muito
rapidamente, que pode ser naturalmente optimizada através da substituição de
alguns sons digitais por instrumentos reais, mas isso é deveras trabalhoso. Daí
que obtenha muito mais progressos usando software adequado do que instrumentos
analógicos, embora – e mais uma vez voltamos ao tópico do sentimento e da alma
– quando implementamos as possíveis falhas dos instrumentos analógicos estamos
a conferir alma à música e pessoalmente cheguei à conclusão de que precisamos
mesmo dela, caso contrário, iremos soar sempre demasiado polidos. Quanto mais
avançar mais ocasião haverá para incluir instrumentos reais na música, que
poderão ser processados digitalmente mas incluídos nos acabamentos.
Os TriORE têm mantido uma abordagem musical baseada na
canção; será possível em breve um reforço experimental mais em consonância com
o figurino industrial-marcial? O grupo
não mantém qualquer plano futuro, e não tem qualquer tipo de contemplações face
a futuras gravações; não sabem se terão um futuro após os próximos dois álbuns.
Tomas diz que só pode falar em nome das suas aspirações, e aí admite a
possibilidade de explorar de novo terrenos mais experimentais/ambientais, só
que não pode assegurar que assumirão a forma dos TriORE ou dos ORDO.
Uma das últimas questões que propositadamente deixámos
para o fim, soava mais a um longo tópico de discussão, mas mesmo assim tínhamos
todo o interesse em conhecer a opinião de Tomas Pettersson, até porque resume
um pouco de tudo o que foi dito atrás e debruça-se sobre o futuro deste
movimento musical. Independentemente do nome que se lhe quer dar, o dark-folk e o seu ramo
marcial-industrial, na Europa, em termos gerais, tem permanecido contra
corrente ao longo de cerca de trinta anos. Os próprios Ordo Rosarius Equilibrio
(incluindo a sua anterior encarnação Ordo Equilibrio) estão a celebrar vinte
anos de actividade; esse caminho tem sido cruzado com alguma independência face
ao controlo espírito corporativo, guardando uma sólida e fiel legião de
admiradores. Até certo ponto são um bom exemplo de um regresso ao molde dos
pequenos empresários, sobrevivendo num contexto europeu cujas perspectivas
futuras têm pouco a ver com a plenitude e a esperança para todos os seus
cidadãos. Na globalidade, vêem nessa atitude uma forma de vencer os grandes
magnatas da indústria discográfica e mediática, a curto-prazo?
E com esta questão a assertividade de Tomas torna-se
ainda mais eficaz se bem que um pouco pessimista, mas é o realismo e o espírito
prático dos suecos a falar – “Esta cena
tal qual a conhecemos terá no máximo mais dez anos de vida; a maioria dos que
se encontram nela envolvidos serão demasiado velhos para continuarem a carregar
o estandarte, e com isso vejo esta cena a morrer connosco – não só connosco mas
com bandas como os SPIRITUAL FRONT, os ROME, OF THE WAND AND THE MOON, …
estamos a falar de bandas cuja média de idades anda nos 40 – quanto tempo mais
vamos conseguir aguentar? Não há crescimento vindo debaixo, não há novas bandas
a chegarem e a assumirem uma nova posição, logo acho que a cena
dark-folk-industrial-marcial vai morrer.”
Mesmo sabendo nós
da existência de alguns focos de resistência, Tomas não vê qualquer novo
crescimento pela sua experiência vivencial; é claro que esta escola vai deixar
uma marca, mas neste momento assiste-se a uma luta desesperada por ar renovado
para que a cena possa sobreviver. Tudo está a mudar demasiado rápido, a
situação económica em Portugal, como sabemos não é a melhor, pior ainda em
Espanha, e temos outros mesmos exemplos em Itália, na Grécia, … os grupos estão
mesmo em luta porque ao passo que as pessoas empobrecem, ninguém vem aos
concertos. No ano passado tivemos de cancelar a vinda a Espanha porque ninguém
estava a comprar bilhetes e assim ninguém quer correr os riscos de organizar
eventos se não houver garantias.
Depois temos os
principais jogadores como as grandes companhias; temos sido acusados desde o
lançamento de “Songs For Hate and Devotion”, de nos termos vendido. Mas não
vejo como! Apenas assinámos com a alemã Out of Line (divisão local da
Universal), e questiono-me qual seria a outra opção? Toda a gente sabe o que
aconteceu com a Cold Meat Industry, toda a gente sabe qual foi a razão para
todos abandonarem o navio a afundar-se… A C.M.I. não é mais que uma memória nos
dias que correm. Quais seriam as alternativas? Ou andávamos para trás, ou para
os lados ou para a frente. Recebemos algumas outras propostas que nos empurravam
para os lados ou nos faziam recuar; a Out of Line era a única que nos
proporcionou andarmos em frente. E eles, nesse conceito de companhia ligada aos
grandes, podem bem ser considerados parte dos “media moguls”, os grandes
jogadores, embora não tenham exercido sobre nós até ao momento qualquer
controlo ou pressão. Nós apenas aproveitámos a oportunidade de trabalhar com um
agente maior que nos dá mais possibilidades de manter viva e difundir a nossa
música junto de uma audiência maior. É preciso que às vezes façamos a escolha
de um mal menor, porque na realidade toda a indústria musical é ela mesma um
mal. Actualmente as
pessoas ouvem música fazendo downloads a partir do Spotify ou o Youtube; a
música já não é canalizada como o era dantes. Está a ser canalizada noutras
direcções – em todas as direcções.
Por exemplo se
encontrássemos um novo ouvinte esta noite, que estivesse interessado em ORDO e
em TRIARII, ou TriORE, assim que ele chegasse a casa ficaria a conhecer tudo o
que alguma vez fizemos em matéria de música numa questão de horas, mas há quinze
anos era um processo de colecção de tudo o que conseguimos. Hoje em dia
encontrar bandas cujo interesse morre passado umas horas… Tudo mudou muito e se
se quiser integrar um movimento musical temos que nos adaptar e aceitar o modo
como as coisas estão e jogar na equipa certa, se quisermos sobreviver, mas não
exactamente vendermo-nos. A moral da história é tentar manter a integridade,
para cada um de nós de modo a podermos olhar-nos no espelho no dia seguinte e isso
acho que sou capaz de fazer e sentir orgulho pelo que conseguimos e pelos
caminhos que escolhemos.”
Para acabar só mais duas informações – sendo esta já terceira
vez que actuam em Portugal, e depois desta noite os TriORE e os ORDO ROSARIUS
EQUILIBRIO vão tirar uma licença de ausência (não sabemos se sem vencimento ou
não…), Tomas remata com uma afirmação enigmática – “Três vão tornar-se quatro” – e por isso vão tirar licença sabática.
Eventualmente referia-se à chegada de mais um rebento, mas também à preparação
de mais dois álbuns dos ORDO até 2015, ano em que voltarão de novo à estrada.
De resto perguntámos ainda se iria cantar algum tema com Simone Salvatori dos SPIRITUAL
FRONT nessa noite – resposta curta e incisiva e se calhar também enigmática: “Não, não me pediram.”
Tomas Pettersson, um combatente felino que usa mais o
cérebro do que confia em meros instintos.
Voltando ao concerto dos TriORE,
uma coisa há a realçar de antemão: a segurança aliada a uma certa
expressividade de sentimentos que Tomas Pettersson não oculta por detrás de uma
eventual e fabricada frieza, o que já da parte de Christian Erdmann é por
demais óbvio. Construir canções viáveis sobre material
marcial-sinfónico-bombástico não é fácil e, sabendo disso, é bem notória
intensidade e firmeza com que os TriORE tentam manter uma constância de
tonalidade na sua prestação vocal – afinal de contas nesta joint-venture estamos quase diante da primeira boysband do género!!!...
Apesar do referido pesar
ligeiramente contra os objectivos do projecto, não restam dúvidas sobre quem –
pelo menos em palco – dá o maior contributo para a eficácia de TriORE. Os
tambores e os címbalos ressoam como os exércitos de Aníbal, mas Erdmann
aparenta recusar-se passar abaixo dos Pirinéus; Pettersson é afável e comunicativo
com o público e durante a versão paramilitar de “And Then He Kissed Me”, tema
de Phil Spector imortalizado pelas Crystals em 1963 e depois por gentes tão
díspares como Beach Boys, Sonny and Cher e os … Kiss, até incitou o público a
um sing-along que não resultou muito.
O balanço final é mesmo assim positivo e desta prestação só temos mesmo pena
que não fosse antes um regresso total de ORDO ROSARIUS EQUILIBRIO com a
simpatiquíssima Rose Marie, a companheira de Pettersson, que se fartou de
assinar-nos as capas dos respectivos discos em triplicado! Quanto a Erdmann,
pode ser que um dia os elefantes de Aníbal passem os Alpes…sentido ascendente!
SPIRITUAL
FRONT @ Palco Alma – Castelo de Leiria
Depois da prestação TriORE, e
descansados porque o trabalho de entrevista com os nórdicos já estava feito,
passámos directamente a uma das grandes expectativas da noite – o regresso
(outro!) dos Romanos – e passe a piada de há pouco sobre os elefantes
cartagineses de Aníbal – os fantásticos SPIRITUAL FRONT que se apresentaram
reduzidos temporariamente a trio, mas que como se verá, arrasaram
emocionalmente a plateia do Palco Alma, junto à Torre de Menagem. Simone é um
herói da música popular – é a concentração energética de Johnny Cash, Springsteen
e Elvis (aliás a sua alcunha Hellvis deixa pouco à imaginação), mas não só! De
uma competência técnica acima de qualquer suspeita - e a prova para quem
duvidou ficou nas duas vezes que o laptop falhou nas tracks de acompanhamento de teclas e guitarra eléctrica, no tema de
abertura - o homem da frente da Frente Espiritual soltou as rédeas de si
próprio e deixou-se levar pelo ar, envolto nos turbilhões de alma que as suas
canções perfeitas e memoráveis geram.
Por duas vezes Simone cantou a solo com a 12-cordas acústica em riste, versões dos já clássicos de SPIRITUAL FRONT, imperturbável, embora visivelmente irritado com os amoques da máquina. Mas, logo que finalmente as gaffes do software ficaram resolvidas e o concerto prosseguiu com uma intensidade vulcânica. Assentando essencialmente o espectáculo sobre o recente duplo álbum “Open Wounds”, um fabuloso repositório de novas regravações de temas que já fazem parte do historial do grupo romano, o trio foi sempre puxando pela participação da audiência, com piadas trocadas, com a já clássica referência climatérica (“tonight’s more fresquinho”), e com pedido de encore que culminou numa longa aclamação em uníssono aplauso. A entrevista seguir-se-ia, depois de alguns minutos de descanso. Uma conversa ainda mais bem travada e animada do que a anterior.
Por duas vezes Simone cantou a solo com a 12-cordas acústica em riste, versões dos já clássicos de SPIRITUAL FRONT, imperturbável, embora visivelmente irritado com os amoques da máquina. Mas, logo que finalmente as gaffes do software ficaram resolvidas e o concerto prosseguiu com uma intensidade vulcânica. Assentando essencialmente o espectáculo sobre o recente duplo álbum “Open Wounds”, um fabuloso repositório de novas regravações de temas que já fazem parte do historial do grupo romano, o trio foi sempre puxando pela participação da audiência, com piadas trocadas, com a já clássica referência climatérica (“tonight’s more fresquinho”), e com pedido de encore que culminou numa longa aclamação em uníssono aplauso. A entrevista seguir-se-ia, depois de alguns minutos de descanso. Uma conversa ainda mais bem travada e animada do que a anterior.
Entrevista
de SIMONE SALVATORI (SPIRITUAL FRONT) para o CAFÉ EUROPA
Depois do fortíssimo concerto dos SPIRITUAL FRONT na segunda
noite do EM’13, aguardámos a chegada de Simone Salvatori com um punhado de
questões que esperávamos motivar uma animada conversa com um dos mais enérgicos
frontmen dos últimos anos, em todas
as frentes musicais, não só a espiritual.
Cumprimentos e felicitações dados, começámos por elogiar
o grupo com toda a sinceridade, porque cada vez que os SPIRITUAL FRONT tocam em
Portugal, recebe-se sempre uma lição de vida e de talento – os três músicos que
estiveram em palco são todos eles músicos de grande dom, e devem por isso
continuar a expor ao mundo esse talento, porque bem o merecem. A resposta franca
de Salvatori foi um retumbante “Muito
obrigado” em Português.
O último duplo álbum “Open Wounds”, de acordo com as suas
palavras, brilha como uma celebração da banda e dos caminhos que percorreram
colectivamente desde o início; depois de um álbum que aparentemente soava mais
acessível que o seu anterior, respectivamente “Roma Rotten Casino” em relação a
“Armageddon Gigolo”, será este novo uma tentativa de recuperar a admiração do
público mais próximo da banda?
Simone concorda que
em parte é verdade; primeiramente tinham como objectivo reeditar e rearranjar
velhas canções, porque já se tinham registado pedidos de fãs, admiradores e
amigos da banda para voltarem a tocar os clássicos antigos. Francamente, Simone
já não gostava dos primeiros temas, nomeadamente dos dois álbuns iniciais que
quase já ninguém se lembra, de 1999 e de 2000. Mas depois começou a
questionar-se – “porque não reeditar e produzi-las de novo?” …e ainda houve
outra razão (e aqui o tom reticente
de Simone trai um pouco da sua sinceridade),
porque um número significativo de fãs mostrou algum descontentamento com o
álbum de 2010, “Rotten Roma Casino”. “Não que fossemos a correr gravar “Open
Wounds” só porque os fãs não gostaram de um álbum, mas pensámos que poderíamos
sublinhar o que de melhor tínhamos feito e reavaliá-lo aos olhos do público”.
O facto de “Rotten Roma Casino” soar mais acessível não
quer de modo nenhum dizer que tem falta de qualidade, de inspiração ou de
ideias – de facto é um álbum muito bom, com canções muito bem trabalhadas, com
o apelo da inconfundível musicalidade SPIRITUAL FRONT. Às vezes as pessoas
esquecem que escrever canções mais apelativas, mais acessíveis, é uma via bem
mais difícil que qualquer outro tipo de trabalho no ramo. Simone concorda com a
nossa afirmação. Qual seria então a intenção da banda ao criar um disco bem
mais acessível que os anteriores? Tiveram algum feedback, neste caso positivo,
por parte de alguns fãs?
Simone declina
qualquer intenção planeada de agarrar uma audiência maior, um público mais pop,
apenas quiseram fazer algo de diferente e agradável; não pensámos “esta canção
é para este tipo de audiência, esta é para outra”…, nada disso, apenas nos
sentíamos atraídos por aquele tipo de canção, foi um desenvolvimento natural. A
produção foi mais pop, mais brilhante mas não significa que nos tivéssemos
vendido.
Uma coisa é certa – na Europa têm uma grande legião de
admiradores e seguidores das suas canções; no entanto, muitas dessas pessoas
são os que normalmente estão ligados à cena europeia do dark e neofolk, embora os
SPIRITUAL FRONT se tenham demarcado há quase uma década dessa situação
relativamente limitadora para um grupo que pode crescer.
Mesmo que o fulcro das suas letras esteja por vezes
profundamente enraizado na tradição poética europeia, a música dos SPIRITUAL FRONT
encontra-se frequentemente tecida com linhas fortemente americanas, quer sejam
os slides de guitarra de banda sonora western
spaghetti, os arpeggios com flanger, acordes muito oeste selvagem,
para além de algumas secções rítmicas que por vezes dançam o tango. Daí que o
próximo e lógico seria “estará a América pronta para descobrir os SPIRITUAL
FRONT”?
Simone ri-se mas
admite que tem havido alguns contactos via email com fãs e outros músicos do
outro lado do Atlântico. Nunca lá tocaram, é verdade, e talvez isso venha a
realizar-se num futuro próximo, quem sabe? “Penso que a nossa música será lá
bem recebida; como vocês dizem, nós misturamos alguns ingredientes que podem
ser agradáveis para audiências folk, country and western, etc. Os elogios que
recebemos enquanto SPIRITUAL FRONT são o de sermos capazes de criar canções
para agradar a um vasto espectro de público. Esta é a nossa razão de ser,
porque o que fazemos é (mentalmente) reunir esses mesmos diferentes públicos
numa só canção, num só disco. Cresci a ouvir estes tipos de música - cenas
industriais, neo-folk, metal, mas ao mesmo tempo um sempre fui um ávido ouvinte
de música popular, de bandas sonoras, e por isso acho que é fácil misturá-las
de forma coerente. O que é preciso é fazê-lo com um certo estilo, com gosto,
com expressividade. As audiências americanas são familiares com coisas díspares
como o Country e talvez gostarão da tal atitude western spaghetti pop,
decerto…” (risos).
Portanto, em “Open Wounds” – um título bem conseguido
para esse álbum de remakes –
atreveram-se a regravar os seus clássicos e ao fazê-lo, provam a mestria sobre
a sua própria arte, isto é, algumas das canções crescem emocionalmente e são
revistas de tal forma que parecem mesmo ganhar uma nova vida; mas no segundo CD
ainda se passa por mais surpresas – leituras instrumentais e abordagens de
alguns dos vossos mais bem conhecidos temas, como se os SPIRITUAL FRONT
invocassem ao mesmo tempo Balanescu, Morricone, Hazlewood e os Coil (estes
últimos, sobretudo na faixa The Bent Invocation). É uma absoluta metamorfose e
é brilhante – nem todos os grupos o conseguem fazer. Como é que se envolveram
neste trabalho de estúdio?
Simone Salvatori
revela-nos que para este CD bónus presente em “Open Wounds”, contou apenas com
a ajuda do produtor Fabio Colucci nos Herzog Studios de Roma. Ambos se conhecem
desde miúdos, eram vizinhos e sempre se interessaram por bandas sonoras daí que
este tipo de tunes sobressaia no segundo CD – ambos sempre foram fãs de Morricone
(Salvatori até adianta que tem uma tatuagem de Ennio Morricone na perna), pela
magia das atmosferas por ele criadas. A ideia dos instrumentais surgiu depois
de “Open Wounds” estar pronto – pensámos que ficaria bem uma abordagem dos
temas em jeito de banda sonora, uma banda sonora de SPIRITUAL FRONT sobre os
seus próprios temas. O resto da banda não teve qualquer intervenção.
À pouco falávamos de uma certa groove latina na vossa música, sem exactamente soarem “Latinos”,
isto é, com um toque central ou sul-americano, se nos fazemos entender. No
entanto estamos em crer que teria um bom impacto em países como o Brasil,
Argentina, o Chile… alguma vez tocaram num destes países sul-americanos ou está
nos vossos planos?
De volta à discografia dos SPIRITUAL FRONT, quisemos
saber quais eram os discos com os quais se sentia mais realizado enquanto
músico – normalmente os músicos dizem que o seu último é sempre o melhor, mas
deve haver outros no passado dos quais se orgulhe …
O homem da Frente
atalha logo que só começa a gostar da sua banda a partir do álbum a meias com O.R.E.,
“Satyriasis …”, e por isso começa pelos que seguramente não gosta – os dois
álbuns iniciais, “Songs For The Will” e “Nihilist Cocktails for Calypso Inferno”
e o EP “Two Twin Tin Tin Towers”. Isto porque eram demasiado experimentais para
o seu gosto – e nota nossa, a sua maneira de cantar ainda não era a de hoje –
era novo, pegava na guitarra e ia em frente. A partir de “Satyriasis …” começou
a concentra-se mais como o seu projecto – antes também, mas de forma mais
experimental. Queria apenas tentar fazer algo que fosse nessa direção, numa
altura em que era ainda bastante influenciado pelas coisas de Death in June ,
Boyd Rice, …
Se voltaria a fazer algo semelhante hoje em dia? Num “side project”, talvez; continua a
gostar do industrial, e se considerarmos este segundo CD de “Open Wounds”
pode-se identificar esse seu lado experimental, o qual na sua opinião e gosto,
deve estar acompanhado de canções, sobretudo quando se tem algo para dizer. Não
muito quando aquelas bandas do género, se apresentam com recolhas de sons que
colocam e processam nos seus computadores – é industrial mas nada experimental
porque qualquer um pode fazê-lo. Se me provarem que o podem fazer, ao mesmo
tempo com canções propriamente ditas, tudo bem, senão, não faz muito sentido.
Ciente da subjectividade do que acabou de afirmar, Simone ressalva, “bem, é só
o meu gosto pessoal!”
Os poemas de SPIRITUAL FRONT são muito confessionais,
muito intensos, sensuais e emocionais; alguns chegam a dizer que são líricas
explícitas, em benefício da verdadeira poesia erótica; pessoalmente tendemos a
concordar, sublinhando que Simoe Salvatori é um bom exemplo do bardo que sabe
onde riscar a linha que separa o erotismo dos valores de choque. Como sustenta
o seu ponto de vista de sujeito poético quando escreve canções?
Simone diz apenas
escrever para se exprimir, nunca o faz usando uma atitude de “ok, isto vai ser
chocante” - não é capaz de impor rótulos ao que escreve. Mas no entanto os
temas do Amor e da Paixão estão sempre presentes. “Claro que sim,” concorda o
autor de “Autopsy of a Love”, “…isso é parte de mim, porque não falar sobre
eles? Mas logo é algo que também pertence a toda a gente, daí que se possam
identificar com o que escrevo. Contudo é algo de muito pessoal, algo que nos
está no sangue… Se alguém canta algo sobre política, ou ecologia, e eu não me
interessando sobre esses temas, provavelmente nunca mais o ouvisse, por são
mesmo temas que não me dizem nada”- e aqui
Simone pára para perguntar jocoso a um roadie que canta enquanto desmonta o
palco ao lado, se podemos interferir um pouco na sua cantilena, de resto bem
audível na nossa gravação. Voltando à resposta, conclui, “ se eu cantar sobre sexo, amor, paixão, uns mais outros menos ou
ainda de modo diferente, todos sentimos o mesmo, e é uma canção que também te
pertence.”
Através dos anos, tomou parte em várias colaborações,
nomeadamente a que deu azo a “Satyriasis …” com Tomas Pettersson – um dos
melhores discos da década passada – estão nos seus planos outras colaborações
em breve, haverá um segundo volume de Satyriasis? E concorda que a colaboração
entre bandas escandinavas e latinas são a consumação do velho eixo do Fogo e do
Gelo, “Fire and Ice” (não a banda, mas a temática)? Simone ri-se com “gusto” mas não nos explica porquê…
“Sim, somos mesmo
grandes amigos, e planeamos de facto fazer um segundo volume para Satyriasis.
Já tocámos muitas vezes juntos e damo-nos muito bem e, como dizes, temos
diferentes abordagens sobre os temas da paixão, da sexualidade, ou o que quer
que seja, mas sim constituímos uma espécie de eixo, e decerto haverá um
Satyriasis 2, sim.” Boas notícias, portanto.
Uma vez que a Itália e Portugal partilham sangue Romano,
perguntámos se conhece algumas das bandas nacionais; Simone confirma que sim
mas não está muito bem lembrado…de repente lembra-se dos THE DWELLING, de quem
gosta bastante, obviamente que conhece os MOONSPELL, e quando lhe sugerimos o
nome dos nortenhos SANGRE CAVALLUM, exclama de imediato que tem alguns álbuns
deles; de resto também ainda se lembra de WOLFSKIN e KARNNOS, o que aqui para
nós, merece nota alta neste flash-test
à sua cultura de música moderna portuguesa!
Acha que este movimento underground eurasiático de dark-folk,
neo-folk, neo-rock, industrial-marcial, ou qualquer outro nome mais que lhe
quisermos chamar, ficará em breve sem a sua inspiração, e consequentemente
perderá o seu momento inovador? (aproveitamos para explicar que a mesma questão
foi posta a Tomas dos ORDO e a sua resposta foi terrível, que em dez anos a
cena teria desaparecido). Mais uma vez, Simone ri-se mas deixa transparecer um
certo conformismo com a realidade das coisas – “qualquer movimento musical é assim, nasce, sobe e decai, é um processo
natural. O problema com a cena neo-folk é que, tendo sido muito interessante
quando começou, está agora a repetir-se a si própria sem parar. Claro que se as
pessoas gostam das bandas, está tudo OK,..”
Mas a nossa pista é a da variedade – por exemplo, quando
se fala das bandas italianas, quase todas tocam estilos diferentes – Kirlian
Camera, SPIRITUAL FRONT, Argine, Camerata Mediolanense, enfim todas diferentes
– enquanto que, nalguns casos de bandas alemã, essa diversidade não acontece…e
há o perigo de se ficar preso a um só estilo.
“É verdade – as
bandas italianas são de facto diferentes entre si…os alemães seguem muito as
orientações neo-pagãs e acabam quase todas por soar a Death in June. Não quero
adiantar-me muito sobre isto porque conheço muitos dos tipos que nelas tocam…”
– e dizemos nós que em abono da verdade são todos excelentes músicos… “… mas não é suficiente, se fores só bom
músico, não garantido que irás fazer boa música e se seguires apenas a
influência de Death in June é certo que nunca se irá uma total semelhança… a
perfeição nunca é suficiente. E até o Douglas anda a repetir-se um pouco. Dos
alemães contudo, ressalvo os Forseti. Mas os outros ficaram presos ao molde.”
Outra das vossas
recentes proezas é a realização de alguns vídeos altamente profissionais para
temas vossos, como aquele dirigido por Carlo Roberti para “The Song For The Old
Man”; juntos vocês conseguem mostrar ao
mundo que ainda há gente que consegue dominar a arte de filmar uma história de cinco
minutos para uma canção brilhante; como é que foi a experiência de filmar “The Song
For The Old Man?
“Como já disse sou um grande fã de filmes western
spaghetti, e um dia, quando ainda andava na universidade, tive a chance de
entrevistar uma das lendas vivas do género, o ator Gianni Garko. Há já alguns
anos comecei a colaborar com Carlo Roberti, para o vídeo dos SPIRITUAL FRONT, “Dark
Room Friendship” e pus-me a pensar se não seria possível convidar Garko para
entrar num dos nossos vídeos, com uma história sério. Fui a casa dele e
propus-lhe a colaboração, levei-lhe alguns dos nossos CD’s para ouvir… é um
tipo um tanto estranho, um homem de idade, já deve ter 77 anos, e ele gostou
tanto da música e do vídeo de “Dark Room” que quis logo entrar, participando
também no guião. Modificou um pouco da história, porque se entusiasmou bastante
e para ele tudo era como um regresso aos velhos tempos do western spaghetti.
Foi bastante divertido porque tive a oportunidade de aparecer cavalgando, e
adorei a atmosfera do vídeo…” – e de facto, atalhamos nós, Simone não vai nada
mal como actor, o seu desempenho é bastante convincente, mas de resto nunca
teve problemas com as câmaras e os palcos. O lado visual dos SPIRITUAL FRONT
sempre foi muito forte e por isso talvez devesse considerar uma compilação dos
seus vídeos e lançá-la com o mesmo espírito e propósito de “Open Wounds”…
Segundo Simone Salvatori será mesmo isso o que pode vir a acontecer – “Estamos
a pensar fazê-lo com o novo álbum de originais, com um DVD extra. Queremos
acrescentar aos videoclips, alguma metragem de entrevistas e tudo isto, CD e DVD
poderá bem sair com o título de “L’Amour Braque”, que quer dizer mais ou menos
“o amor corrompido” ou “amor desonesto” – isto era para ser uma
surpresa mas já ficam sabendo.
Ainda a propósito de
Gianni Garko e do vídeo para “Song For The Old Man”, Simone referiu na nossa
conversa que o actor veterano também interferiu no guião – terá sido ele o
responsável pelo desfecho inesperado no vídeo – isto porque entre a letra da
canção e as imagens, parece haver uma discrepância algo retorcida… “Oh sim, sim, retorcida porque ele é uma
espécie de … bem, lamento dizê-lo, mas tem uma mente retorcida, e ele queria
escrever uma história sobre um fundo Edipiano e por isso ele procura sempre uma
razão para cada ação e cada emoção no filme – “Porque escreveste isto assim?
Porque resulta… Não! Temos que encontrar um aspecto psicológico para isto.” É a
sua maneira de trabalhar. “É como disse
um tipo estranho…” – terá ele mudado a história para melhor? “Não tanto mas
fê-la mais retorcida (risos). Ele esteve em muitos westerns portanto sabe como
fazer uma ideia destas funcionar!” Muito interessante!
Uma última questão –
estão a preparar um novo álbum para gravar do qual já sabemos o título; mais
algumas dicas sobre como vai soar?
“Bom, estamos a dar os toques finais num disco de um projecto paralelo
dos SPIRITUAL FRONT chamado “BLACK HEART AND BLACK SUITS”, baseado nos filmes
de Rainer Fassbinder – apenas piano, vocais e cordas, uma espécie de pop de câmara
e vai sair em Outubro/Novembro no selo Rust Blade. Estamos a escrever novas
faixas de SPIRITUAL FRONT algures entre “Armaggedon Gigolo” e “Open Wounds” e
estou ainda a preparar um EP mais acústico, portanto há muita coisa para
publicar este ano.”
Depois de termos elevado
as emoções aos píncaros com os dois concertos do Palco Alma, e com a entrevista
a Simone Salvattori, restava-nos descer ao Palco Corpo e assistir ao que
restava do concerto dos alemães MERCIFUL NUNS, que antecediam os austríacos
NACHTMAR que encerrariam o segundo dia do Festival
Quando lá chegamos
começava também a barriga a bater horas, pelo que a nossa primeira opção foi
uma visita ao tradicional porco no espeto que nos faria companhia para concerto
dos MERCIFUL NUNS, que entretanto já se aproximava do seu final.
A banda do antigo GARDEN
OF DELIGHT, Artaud Seth foi nessa segunda noite do Entremuralhas quem mais
juz fez à denominação de Gótico ao Festival. Som poderoso, execução técnica
perfeita e uma voz portentosa, fizeram dos MERCIFUL NUNS os reis góticos do EM’13.
Ficámos com pena de não termos assistido ao concerto destes MERCIFUL NUNS na
integra, e esperamos poder faze-lo num futuro próximo.
NACHTMAHR
@ Palco Corpo – Castelo de Leiria, 24 de
Agosto de 2013
Para o final da noite de
sábado aguardavam-nos os austríacos NACHTMAHR. Antes de entrarem em palco um
anúncio da banda projectado no painel de fundo do palco a avisar que não se
responsabilizavam por quaisquer danos causados pelo apocalipse sonoro que se seguiria.
Com a banda a entrar em
palco, vestidos com uniformes com o “N”, de NACHTMAHR, no braço, abriram as
hostes com o tema “Tradition” e logo aí percebemos o aviso inicial. De facto,
depois de, nessa noite, termos assistido a um concertos dos SPIRITUAL FRONT
continuar por muito tempo a assistir ao auto-denominado apocalipse sonoro
poderia não contribuir muito para a nossa sanidade mental, pelo que ao som de “Tanzdiktator”
fomos abandonado o Castelo deixando as mensagens de rivalidade
austro-germánicas que vinham do palco, para os apreciadores do género.
Foi assim a aventura do
CE nos dois primeiros dias do EM2013, culminadas com as duas entrevistas que
realizamos e que hoje vos trouxemos.
Na próxima semana
concluiremos a reportagem com a reportagem aos concertos do último dia e ainda
entrevistas a Lloyd James dos Neavus e à dupla Roma Amor - Euski e Candela.
Texto: JCS e AF
Photos: AF
Texto: JCS e AF
Photos: AF
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