Já são pelo menos
dez anos a acompanhar as diabruras dos caretos alpinos que dão pelo nome de STURMPERCHT, aparentemente liderados
pelo espírito empreendedor dum homem de inesgotável fôlego e imparável
criatividade, chamado Markus Presch.
Max, como é conhecido na Europa e nalguns lugares do mundo, é também o homem
por detrás de vários projetos da nova música germânica, de diferente natureza,
onde se incluem os lendários industrialistas Rasthof Dachau, os Men Behind the
Sun, os ARS e, ainda, colaborações e produção com os colegas de acearia
Stahlwerk 9 / Indigo Larvae, os Atrox, entre outros pertencentes ao selo
austríaco Steinklang Industries, sediado em Salzburg e do qual Max é obviamente
o patrão, à volta do qual nasceram, naturalmente, selos subsidiários como a
Ahnstern, onde os compatriotas Allerseelen de Gerhard Hallstat são a atração
principal, além de outros projetos de folk alpino primitivo ou de fusão
industrial / psicadélica, assim como o próprio selo Percht de onde vêm os
discos dos Sturmpercht.
Com os STURMPERCHT, Max e os companheiros de
algazarra campestre e montanhista revivem a longa tradição folk dos Alpes,
inicialmente, estritamente ligados ao espírito volkisch iniciático que animava as bandas irmãs como os
Allerseelen, Waldteufel ou os próprios Der Blutharsch, que descendiam dos The
Moon Lay Hidden Beneath A Cloud, mas depois ganhando uma identidade própria,
demarcando-se portanto dos tiques que certas cliques de admiradores lhes podiam
eventualmente conferir, acarretando-lhes os habituais e costumeiros
mal-entendidos político-ideológicos, geralmente ateados por sites alarmistas e
difusores de mentiras como o célebre “Who Makes the Nazis”.
Desse modo folião
e grotesco, os STURMPERCHT foram-se
tornando num valor seguro na cena musical europeia, reunindo simultaneamente
genuíno amor às raízes tradicionais da cultura dos montes, e uma enorme dose de
humor que resume a essência do espírito Perchten,
em tudo semelhante ao dos nossos caretos transmontanos. Aliás, Max Presch muda
de nome cada vez que agremia mais uma batida conjunta dos STURMPERCHT, passando muito naturalmente a chamar-se Max Percht.
De volta à
discografia dos Sturmpercht, os últimos anos foram recheados de lançamentos
marcantes, entre EP’s, álbuns e compilações, com especial destaque para dois
álbuns essenciais como “Geister Im Waldgebirg” de 2006, e “Schattenlieder” de 2009, dois discos
duplos que assumem na sua edição em vinil uma espécie de compêndio básico para
os recém-chegados a estas paragens musicais. Depois de um interregno de quatro
anos, surge no final de 2013 mais um disco de originais, numa caixinha de
madeira bem rústica, com o título de “Bergentrückt
– sagen aus der Anderswelt”, um conceito que não pode andar longe do velho
“Hall Of The Mountain King” de Edvard Grieg, ou dos mitos germânicos
wagnerianos, que no fundo ligam todas as temáticas lendárias por detrás da
cultura ancestral dos povos desta zona europeia.
Mas é certo que
num mercado relativamente condicionado, a obra dos STURMPERCHT só pode logicamente alcançar uma fatia altamente
seletiva do público, em função não só do género musical a que se dedicam, mas
também pelas edições limitadas, pelos acessórios e veículos que muitas das suas
edições assumem (geralmente associadas a invólucros de madeira ou outros
elementos naturais), perante uma juventude urbana cada vez mais subjugada à
ditadura do consumo imediato e da música sem suporte físico.
Na alvorada de
uma terrível revolução na indústria musical, em que a distribuição online
ganhou à tradição de “fazer um disco - comprar um disco”, com a perda de
direitos dos artistas que tudo isso implica, o acervo folclórico das edições
dos STURMPERCHT é visto como um
disparate pegado, uma palermice que, ironicamente, não é passível de ser
facilmente arrebatada pelos novos barões da distribuição musical.
É simultaneamente
uma jogada de resistência artística / estilística e um confronto directo, que
assenta num pretenso falso elitismo de parte a parte. Até porque a música dos STURMPERCHT é mesmo puro folk ancestral
e primitivo, tradição e preservação da identidade, que contraria e espicaça a
atitude generalizada dos povos europeus de se deixarem colonizar inteiramente
por modos de vida alienígenas, importados de lugares que mal têm História para
contar, embora se arreiguem em estatutos megalómanos como “polícias do mundo”
ou “nação de pedreiros livres”, etc e tal…
As razões e as
fontes do trabalho deste móbil grupo de intérpretes do passado europeu mal
conhecido, são praticamente filão inesgotável, pelo menos para o próximo século
– há um orgulho saudável na forma como se cruzam pequenos apontamentos
acústicos com o uso de uma tecnologia contemporânea, posta positivamente ao
serviço da recriação mental dos arquétipos antepassados, e é dessa mesma fusão
que resulta por vezes a sonoridade quase industrial, fortemente ambiental ou
psicadélica de alguns temas dos STURMPERCHT
e nomeadamente neste “Bergentrückt”.
Num mundo ideal e justo, com a consciência pretensamente ecológica que as
forças da nova ordem mundial nos pretendem impingir, os esforços de
representação dos STURMPERCHT deveriam
ser antes louvados pela sua autenticidade.
Todo o álbum, que
dura quase 78 minutos, assume uma dinâmica narrativa que se encaixa na
perfeição, dentro dos cânones sonoros a que nos já habituaram desde que em 2004
nos surpreenderam com “Sturm Ins Leben Wild Hineim” e no ano seguinte com o
memorável “ Alpin Bann Und Segenssprüche”. São temas que nascem quase de forma
espontânea, sobre uma base de droning
que vai suportar frases melódicas de instrumentos de corda tradicionais, que se
entrecruzam com montagens sonoras reveladoras e relevantes para a dinâmica
narrativa imparável que o grupo desenvolve. Aliás, se algum epíteto os STURMPERCHT merecem é o de grandes
contadores de histórias, estatuto que têm guardado zelosamente de há dez anos
para cá.
Com tudo isto
dito sobre este aparente último reduto da consciência folk europeia, a imagem
do grupo som pode sair incólume e até reforçada – alguns dos seus membros são
os homens por detrás dos discos de grupos que já provaram a sua probidade moral
e arejamento ideológico (o próprio Max nos Rasthof Dachau, num permanente
movimento contínuo pelo humanismo, Reynard Hopfe dos Stahlwerk 9, frontal
opositor de vertigens neo-qualquer-coisa, e arauto contra os horrores do século
XX, Gerhard dos Allerseelen, filósofo da terra e eterno viajante da Europa, o
búlgaro Dimo Dimov dos fantásticos Svarrogh, paciente e perspicaz
descodificador da matriz folk pan-europeia, etc.).
Meia dúzia de
álbuns em dez anos provaram que é possível tornar a essência da Tradição e as
lendas da Memória Europeia percetíveis para alguns milhares de pessoas através
da Europa e do mundo. Nalguns casos, é no mínimo interessante ver alguma da
juventude norte- americana entusiasmada com esta redescoberta; no máximo, é
reconfortante acreditar que todo este esforço e perigos constantes não foram em
vão, e que graças à música de grupos como os STURMPERCHT, e não só, um dia possamos constatar que as erradas
mudanças operadas nos primeiros anos deste século implodiram sobre si mesmas,
tal como as torres e castelos da quimera capitalista e usurária. E que um dia o
Imperador adormecido sob a montanha possa acordar e reiniciar uma nova
renascença, uma nova idade de ouro na Europa berço das ideias, livre de todos
os malfeitores encartados e empossados.
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