sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Café Europa: Emissão #37, de 03 de Setembro de 2012

CAFÉ EUROPA NO ENTREMURALHAS 2012 – REPORTAGEM 1.º DIA

1.ª Hora
01. CURRENT 93 – “Since Yesterday” GB
02. CURRENT 93 – “Imperium V” GB
03. ORDO EQUITUM SOLIS – “The Secret Hope Of F.” IT
04. ORDO EQUITUM SOLIS – “Desiderio” IT
05. REPORTAGEM 1.º DIA DO FESTIVAL ENTREMURALHAS 2012, com entrevista exclusiva a Jerôme Reuter dos ROME.  

2.ª Hora
01. STRAWBERRY SWITCHBLADE – “Since Yesterday” GB
02. REPORTAGEM 1.º DIA DO FESTIVAL ENTREMURALHAS 2012, com entrevista exclusiva a Jerôme Reuter dos ROME (cont).  
03. OF THE WAND AND THE MOON – “A Pyre Of Black Sunflower” DIN
04. HORUS CHAMBER – “Since Yesterday” PT

Reportagem Café Europa no Entremuralhas 2012 - 1.º Dia

Ainda agora começava a terceira edição do Festival ENTREMURALHAS para logo acabar, no dia seguinte - moral da história: Os festivais acabam porque têm de acabar. E acabam porque têm de recomeçar, e depois daquilo que pudemos testemunhar uma vez mais, dentro dos muros medievais do Castelo de Leiria, seria muito difícil equacionar a hipótese de não haver edição em 2013 – a não ser que o calendário Maia nos venha incomodar mais do que aquilo que já conseguiu, e mesmo assim seria para recomeçar de novo. O que mais distingue, de antemão, o ENTREMURALHAS da maioria dos outros festivais de verão neste país, é que é inteiramente non-mainstream, sem ser exactamente underground, porque isso é já em si, um conceito gasto.
Chamá-lo um festival alternativo, um festival gótico (que o é “mas não só!...”), mas também um festival darkfolk ou industrial, será sempre exercício limitador de possibilidades e só interessa àqueles que não sabem ao que vão – mesmo em trabalho – ou para os que têm a mania de pôr etiquetas em tudo, desde os tempos da escova de dentes no infantário… por momentos, temos uma vontade nostálgica de trazer de volta as imortais “rádio soundbytes” de António Sérgio e dizer que este é “O” festival de música “rebelde” que ainda subsiste, mas não seria, quiçá, justo com outros que ainda assim defendem acerrimamente as suas cores.
A FADE IN, e nomeadamente para este festival, protagonizada pela empatia dinâmica de Carlos Matos e de toda a sua equipa, não se reduzindo portanto à sua mediática imagem, só pode estar orgulhosa e realizada pela consecução de tal feito, pela terceira vez. Não seria demais lembrar, ao cabo da terceira edição, que são já bastantes os nomes significativos das áreas musicais estimadas que actuam neste castelo nos finais de Agosto; este ano, o cartel para os dois dias incluía as actuações de JO QUAIL (GB), STELLAMARA (USA), ROME (LUX), CLAN OF XYMOX (NED) e SUICIDE COMMANDO (BEL) no primeiro dia, e DERNIÈRE VOLONTÉ (FRA), DAEMONIA NYMPHE (GRE), OF THE WAND AND THE MOON (DIN), THE BEAUTY OF GEMINA (CH) e VNV NATION (GB) no segundo dia.
Estamos a falar não só em ecletismo - como se pode ver - mas também em criteriosa escolha, capaz de efectivar um espirito de mobilização totalmente abrangente dentro destes géneros musicais, genuinamente promotora daquela sensação de "evento" festivo. Obviamente que nestas condições, lacalização e advento de bom tempo no último fim-de-semana de Agosto, há sempre um factor intrínseco que não depende única e exclusivamente da razão, da praxis e da realidade tangivel - é uma quinta essência que toma corpo na quinta coluna que sustenta a logística do festival e sobe à alma da totalidade dos visitantes. Em verão do nosso descontentamento, a magia operou-se.
O Castelo de Leiria, bem no centro da cidade, o seu avistamento - e as suas vistas -, a sua silenciosa elegância e o rufar interno das suas memórias históricas, do seu simbolismo cultural pátrio que, ligado insofismavelmente a figuras como D. Dinis, Camões ou ao recentemente falecido professor José Hermano Saraiva, o torna talvez o mais eloquente dos nossos castelos, é a premissa base para fazer do ENTREMURALHAS o festival de música em Portugal com a mais pitoresca localização.
Assim que se entra no secular centro histórico, atravessando as ruas estreitas animadas por comércio verdadeiramente cultural, e se começa a subida para as suas partes, o visitante festivaleiro assume ele próprio o papel de peregrino. E, quando se trespassa os portões, a viagem dúplice no tempo passa a ser uma constante. Dadas as condições e exigências de conservação do património histórico, a lotação por noite para o festival, encontra-se limitada a pouco mais de 700 pessoas, o que, à priori denota a ausência de preocupações mercantilistas da organização FADE IN.
Os três palcos, distribuídos ao longo dos caminhos do castelo, têm uma função específica – o palco denominado “Corpo” no largo terreiro em frente aos portões, é dedicado aos grupos musicais de maior mediatismo, e nele actuaram este ano os holandeses CLAN OF XYMOX, os belgas SUICIDE COMMANDO, os suiços BEAUTY OF GEMINA e os ingleses VNV NATION, bandas que reuniam largo consenso de aceitação entre o “clã” musical de visitantes mais predominante no ENTREMURALHAS, autodenominado Gótico, carismático pelas indumentárias e estética mais vampiresca ou romanticamente mórbida. Estes concertos distribuídos pelas duas noites, imprimiram ao ENTREMURALHAS o seu cunho de verdadeiro festival de rock gótico, com uma plateia espontânea dançante e excitada por tudo o que se passava em palco.
O último fim-de-semana de Agosto é, desde o início desta segunda década do novo milénio, sinónimo de viagem marcada até à cidade do Lis, onde, no seu imponente castelo, a FADE IN organiza o ENTREMURALHAS, aquele que é já um dos mais importante eventos internacionais, destinado a uma “tribo” cuja cultura se encontra intrinsecamente ligada aos encantamentos poéticos de Edgar Allan Poe, pela negra estética vitoriana e de cabaret, bem como pelas personagens criadas por Tim Burton ou, em alguns dos mais jovens elementos do público, pelos bonecos de manga japonesa.
É, assim, um festival em que todos são participantes. O primeiro lugar aos artistas, porque em grande medida, será por sua causa que o ENTREMURALHAS atinge o seu esplendor; também a organização da FADE IN, que é uma garantia de qualidade, ainda os comerciantes, pois o festival reúne umas quantas “bancas” de comércio pouco tradicional, e finalmente o público, como figurantes do belo quadro monocromático em que o castelo do Rei D. Dinis se transforma nestes dois dias, sendo também um dos principais componentes deste ENTREMURALHAS.   
Em 2012, o Festival ENTREMURALHAS apresentou já uma maturidade organizacional, que falta a muitos dos outros festivais, que abundam por este país fora, durante o verão. Depois da opção por três dias de festival da edição do ano transacto, a FADE IN voltou ao formato de dois dias (sábado e domingo), tornando-se é certo mais curto mas mais intenso com uma distribuição equitativa de duas bandas por noite em cada um dos dois palcos principais (Alma e Corpo). O espaço idílico que é o castelo de Leiria, poderia mostrar-se cheio de entraves à realização deste tipo de evento, devido às suas condições morfológicas. No entanto, a repartição dos diferentes espaços mostrou-se uma vez mais perfeita, tendo as ruínas da Igreja de Santa Maria da Pena como ponto de equilíbrio entre o estilo arquitectónico e o espírito do festival.
E foi nesse espaço que, verdadeiramente se iniciou o ENTREMURALHAS 2012, com a primeira de muitas das estreias em palcos nacionais, com que este festival no brindou: a presença delicada e bem-disposta de JO QUAIL no palco das ruínas da Igreja da Pena. Violoncelista moderna, virtuosa quanto baste e capaz de uma entrega visionária na reprodução das suas criações, JO começou com um bom momento de humor, conversando com o público e arrancando com o seu cello futurista…unplugged. A lição número um a aprender, segundo JO, por todos os aprendizes de violoncelista elétrico – ligar o jack.
JO QUAIL, apresentou-se sozinha em palco, acompanhada apenas pelo seu peculiar violoncelo, cujos diferentes acordes ia gravando em loops, técnica que fez questão de referir, não fossem os presentes julgar que estava a “fazer batota”, compondo assim as diferentes camadas sonoras de que a sua música experimental e ambiental é rica. Com um inicio de concerto cheio do chamado “nervoso miudinho” e bom humor, JO QUAIL foi-se aos poucos libertando da responsabilidade da abertura do evento, passando com enorme mestria pelos temas do seu primeiro e único álbum a solo até ao presente “From The Sea”.
A etapa seguinte desenrolou-se no Palco Alma, localizado junto à Torre de Menagem e cujas características do espaço físico que o rodeia deu origem ao nome muito apropriado deste festival.
As honras de abertura do Palco Alma foram entregues aos STELLAMARA. Apesar de se tratar de um colectivo norte-americano a sua música tem raízes centralizadas na cultura e tradições arábicas, turcas, balcânicas e persas, bem como nas tradições medievais europeias tal como parte dos seus elementos, como o caso da vocalista, a bela Sonja Drakulich, com origens serbo-hungaras. O concerto deste ensemble mágico contou assim com passagens por geografias sonoras dispares, com momentos brilhantes, tais como os temas populares búlgaros, com a voz de Sonja a não dever nada às interpretes do famoso canto das vozes búlgaras, assim como a interpretação de “Song to the Siren”, mais próxima da versão This Mortal Coil e da voz de Liz Frazer que do original de Tim Buckley, mas que serviu para a devida homenagem a ambos. Outro dos pontos altos (literalmente) do concerto dos STELLAMARA, foi o momento de dança oriental feito pelo outro elemento feminino do colectivo na muralha circundante, levando a que todo o público virasse, momentaneamente, as costas para o palco. Esta apresentação dos STELLAMARA, foi a melhor estreia que poderia ter tido em palcos nacionais, ou não fosse o castelo de Leiria o cenário ideal e natural para este momento.    
Vindos do grão-ducado do Luxemburgo os ROME foram a terceira banda a subir a palco, sendo, também a terceira estreia em palcos nacionais. Jerôme Reuter acompanhado de mais três elementos, eram, sem dúvida, os mais aguardados pela grande maioria do público, sendo notória a presença entre estes de mestres da obra dos ROME, que embora restrita a meia dúzia de álbuns, o último dos quais triplo e de uns quantos EP’s, é já suficiente para serem considerados como a banda com maior culto entre os presentes neste ENTREMURALHAS.
Apesar da presença de um contrabaixo elétrico, de um mini-sintetizador KORG e das percussões, o certo é que só a presença de Jerôme e a sua guitarra, seria bastante para que este fosse um concerto memorável. Mas, com o acompanhamento tudo ficou perfeito, ficamos apenas com um sentimento de que as cerca de quinze canções com que fomos brindados, nomeadamente “Little Rebel Mine”, “The Pyre Glad” ou “Sons Of Aeeth” todas do último “Die Aesthetik Der Herrschaftsfreiheit” ou o brilhante final com “Swords To Rust – Hearts to Dust” do anterior “Flower From Exile” foram poucas para a satisfazer a imensa espera até vermos os ROME em solo Luso, pois a obra de JeROME e a nossa vontade em ouvi-la, era condição suficiente para que o resto da noite fosse passado no Palco Alma na sua companhia. No entanto, tal foi amenizado com a partilha de vários minutos com esse brilhante comunicador que é Jerôme Reuter, pois que, enquanto o público debandava para junto do Palco Corpo, o Café Europa foi trocar com ele dois dedos de conversa, que agora partilhamos com os nossos ouvintes, transcrevendo a tradução livre da entrevista que poderão ouvir no original fazendo o download da emissão aqui (1.ª hora) e aqui (2.ª hora):

- ENTREVISTA A JERÔME REUTER
Tal como anunciámos desde a nossa emissão do dia 13 de Agosto, o Café Europa enviou uma autêntica embaixada ao ENTREMURALHAS - terceira edição 2012, no sentido não só de acompanhar as quase 20 horas de música do festival, mas com o principal fito de entrevistar três dos mentores das bandas com maior interferência neste vosso programa semanal. Assim foi, e logo ao cair da primeira noite, após um concerto inesquecível no palco Alma, a anteceder o dos CLAN OF XYMOX, que começava lá em baixo no terreiro do Corpo, Jerôme Reuter, o loquaz compositor dos ROME, conversou connosco durante largos minutos, nunca se esquivando a questões e fazendo finca-pé em relação a certos tópicos mais polémicos, mostrando bem porque lidera o quarteto luxemburguês.
Este era o concerto de estreia dos ROME no nosso país, o qual cobriu grandemente o mais recente triplo álbum “Die Aesthetik der Herrschaftsfreiheit”, frequentemente por nós divulgado online na Rádioás, e tornava-se obrigatório questionar Jerôme sobre as novas direcções a seguir depois de tão diversificado e longo trabalho de estúdio. 
A “new stuff”, como ele próprio diz, começará por se materializar num “single”, a sair em Setembro (acabadinho de sair), com roupagens musicais mais directas e ásperas, canções escritas “ de cabeça”, sem o contexto de conceito. Cunho inteiramente pessoal, o que ainda não acontecera com os ROME, onde se tratará de, muito simplesmente, “expulsar demónios pessoais”. Dizemos nós, uma espécie de poesia confessional? Provavelmente, embora tentando evitar esse nicho tornado já muito cliché. Mas é tempo de o fazer e de soltar o lado mais pessoal, o que não significa abandono definitivo dos álbuns conceptuais, já que paralelamente se encontra a escrever justamente um trabalho de ordem conceptual. Paradoxo? Jerôme não gosta de se repetir mas sim de fazer coisas diferentes, já que em parte faz música para si – e se não gostar dela, simplesmente não a ouvirá (nem ele nem nós).
Essa relação emocional esteve patente na reacção do público na noite de 25 de Agosto no Castelo de Leiria, o que de certo modo vai ao encontro desta sua afirmação; apesar das luzes incidentes sobre o palco, Reuter teve alguma oportunidade de observar a resposta do público. Refere mesmo que a audiência é um dado que nunca pode ser deixado fora da equação; é claro que é importante se gostam ou não, contudo a honestidade/autenticidade terá de prevalecer. Não é só um jogo de caça á simpatia, só para ganhar dinheiro, e se essa mesma honestidade não se mantiver, no caso de se fingir para assegurar mais um álbum no ano seguinte, então é como se fosse para uma qualquer programa ou série de televisão, meramente um capricho do momento, uma moda.
Desde o início dos ROME que ficou claro de onde é que eles vinham – fortemente alicerçados na linhagem do “apocalyptic folk”, ou qualquer que seja a tag do dia – e por entre essas nuances folk, o rock alternativo e independente, com um lado mais teatral e poético, guarnecidos por um certo pendor pela Filosofia e História, observação nossa com a qual Jerôme concorda plenamente.
A propósito do tópico da toada histórico-filosófica patente nos álbuns iniciais de ROME, questionámos Jerôme sobre se achava que num passado recente, o espírito revolucionário esteve mais aliado à Arte em geral, algo que ele também questiona, sustentando que a Arte e a política são como azeite e água, não se misturam bem, embora idealisticamente tudo seja possível. Durante as gravações de “Die Aesthetik der Herrschaftsfreiheit”, afirmou ter tido um ideal em mente, que funcionou bem, de acordo com a ficção resultante, mas isso não validaria nunca o argumento de os ROME serem politicamente empenhados. A trilogia é altamente política mas, sempre procurou mantê-la fora da lama político-partidária, fora da realidade política, mesmo que aparente retratar acontecimentos mundiais recentes, como as revoluções no próximo Oriente, a situação económico-financeira na Europa.
A estética da libertação dos senhorios, a introdução livre nossa, começou a ser escrita antes das sublevações na Tunísia, no Egipto, na Líbia, mas ao passo que iam evoluindo, seria impensável para qualquer artista não se sentir influenciado pelo que estava a acontecer, e ser guiado por uma voz interior que lhe dissesse onde procurar os temas de relevância para esta década. Mas, decerto, evitou a armadilha de ser porta-voz político de qualquer que seja a causa.
Jerôme, na sua adolescência punk, sentia-se bem na pele do idealista, tendo se mantido um punk rocker por uns tempos, sempre nas franjas do activismo anarquista. Isto quer dizer que tinha em casa os livros certos para ler, mas na altura não fez; depois à medida que crescia, voltou a pegar neles por alguma razão. A isto não terá sido alheia a motivação para o álbum “Flowers from Exile”, acerca da guerra civil de Espanha – um álbum de 2009, tingido de cores autobiográficas, ou no mínimo familiares já que parentes seus tinham combatido pelos republicanos no conflito que quase destruiu Espanha entre 1936 e 39.
Ao ler essas informações, outras portas se foram gradualmente abrindo e o álbum do ano seguinte é mesmo uma sequela, “Nos Chants Perdus”, desta feita sobre os exilados franceses depois da guerra. Mesmo assim não foi suficiente, daí que tenha precisado duma trilogia inteira para processar todo esse manancial poético – ideológico, que estava no seu pensamento. E assim, com “Die Aesthetik Der HerrschaftsFreiheit”, se completou um ciclo. Assim que terminou a trilogia, Jerôme sente-se esgotado, não só porque foi muito trabalho, mas porque o fez sozinho num ano. Como se não bastasse não foi um álbum dividido por três CD´s, mas um triplo álbum com três partes distintas e uma identidade própria.
A proliferação de álbuns em apenas seis anos, assim como este trabalho recente e a sua dimensão, podem levar o ouvinte a pensar que Jerôme Reuter só compõe peças e obras longas; quando escreve regra geral, nunca o vê como uma canção, mas sim como uma parte do futuro álbum. Algumas canções vêm ter com ele, como elementos chave, mas é algo que não planeia; são precisas quatro ou cinco canções para construir a espinha dorsal de um álbum e a forma como elas soarem, será também a forma como o disco vai soar, como se construindo um núcleo permitisse um desenvolvimento do trabalho. O conceito está sempre presente mas garante a composição individual das canções, continuando fiel ao tema central do álbum, o que acaba por gerar entre outras coisas, o seu título. No entanto, também pode usá-lo como ponto de partida.
As etiquetas do neo folk, dark folk ou qualquer outra imaginária são uma dicotomia paradoxal – é uma necessidade para o músico não se sentir obrigado a caber numa, mas ao mesmo tempo é preciso que as pessoas desenvolvam uma para saberem como se hão-de relacionar com essa música.
É como se tratassem de faróis que guiam os ouvintes mas ao mesmo tempo não é uma lei; por vezes é algo feito de vento… muitas das bandas chamadas de 2ª geração tendem a seguir cegamente os ditames do farol, mas acabam por se repetir, mudando apenas as letras. Mas lá vai havendo alguma diversidade que evolui para casos interessantes; terão ou não essas correntes provocado um abanão no modo de pensar de alguns sectores da juventude europeia…talvez resida aí o interesse destes subgéneros de um subgénero, porque existe de facto uma grande diversidade, não existe apenas um nome que comanda, existem ou existiram alguns que de algum modo moldaram os trabalhos de pessoas que vieram depois mas não de uma forma tão definida, como por exemplo no Heavy Metal. Idealmente, é como se fosse um número restrito de indivíduos fazendo aquilo que querem.
Relativamente à constatação de uma certa dispersão do movimento, Jerôme afirma não poder certificar-se porque há muito deixou de seguir o desenrolar do teatro neo-folk e industrial; quando começou a escrever, terá sido influenciado pelos seus heróis como qualquer pessoa, mas logo deixou de lhes prestar atenção, com o objectivo de ser original. O que se ouviu na juventude é, regra geral, aquilo que nos vai moldar e, na sua opinião, depois dos trinta, mais ninguém vai abanar o nosso mundo. Talvez nos cruzemos com este ou aquele projecto marcante ou este ou aquele compositor que nos inspire pela diferença, mas em termos gerais já se está definitivamente formado musicalmente.
Não segue as novas bandas, não porque não goste ou não se interesse, mas, na realidade, é algo que não faz, porque mal tem tempo para ouvir música. Para Jerôme Reuter, trabalhar em música, não implica necessariamente ouvir a música dos outros. 
Depois de um álbum tão emocional como “Flowers from Exile”, de 2009, que é um marco significativo na sua carreira de gravação, para além de granjear alguma atenção fora das franjas dos públicos neo-folk, não demorou em voltar para estúdio para gravar a sequela “Nos Chants Perdus” em setenta dias de gravação analógica; será essa a marca de água de um perfeccionista ou apenas sinal de respeito pelos fãs? De um modo ou de outro Jerôme considera essa uma forma de colocar a questão muito generosamente – houve uma variedade de razões para tudo isso.
A gravação de “Nos Chants Perdus” envolveu a participação de Patrick Damien, engenheiro de som, produtor, músico, e mais qualquer sejam os seus atributos, que é por si só um perfeccionista, o que com ele faz dois, sobretudo ao nível de conteúdos líricos e formais das composições, embora Jerôme deixasse a questão da perfeição do som inteiramente confiada às mãos de Patrick. Mas, ao confiar em perfeccionistas da produção, ressoa também o alerta – atendendo às condições económicas actuais, já não há lugar para perfeccionismos porque o orçamento rebenta facilmente. Mais ainda, porque, usando sistemas analógicos de gravação, o preço dispara.
A escolha analógica surgiu por acaso, não foi, ao contrário do que muitos pensam, um capricho técnico. Após o relativo sucesso de “Flowers from Exile”, Jerôme decidiu sair de circulação durante uns tempos e reencontrar velhos amigos. Telefonou a este engenheiro de som com quem já tinha trabalhado nos seus anos formativos de punk-rocker, e acontece que ele já não vivia a na cidade de Bruxelas tendo-se mudado para o campo, completamente isolado dos meios urbanos. E foi nesse perfeito ambiente bucólico, num pequeno estúdio com material vintage analógico, que “Nos Chants Perdus” foi gravado e parte da trilogia “Die Aesthetik der Herrschaftsfreiheit” trabalhada. Ambiente ideal, em que acordava com o som do galope dos cavalos a ribombar nos ouvidos, entre a natureza, com comida saudável e sem bares à volta, o que também ajudou à concentração no trabalho, nesse sossego rústico.
Ainda a propósito das líricas dos ROME, voltámos à carga com uma questão – não que o seu conteúdo seja mais importante que a forma musical assumida, mas reveste-se de uma importância significativa quanto ao aspecto temático e, porque não dizê-lo, ideológico da banda. Será que Jerôme não receia que por vezes possa ser mal interpretado? Por exemplo Douglas Pearce dos Death in June passou por um mau bocado, sobretudo na Alemanha, onde passou a ser fortemente boicotado pelas autoridades. A questão para os ROME não envolve obviamente os contornos de ambiguidade que revestem a imagem dos Death in June. Para Reuter as canções que escreve são um pouco como filhos, assim que crescem e estão prontas, passam ao conhecimento público e por assim dizer deixam de nos pertencer. Logo, as pessoas podem percebê-las de forma diferente e sem o controlo do autor. Por seu lado, este deve estar preparado para que a possibilidade real que haja sempre más interpretações por parte de quem ouve e lê. Jerôme acha que os artistas a quem isto sucedeu, de certo modo, só colheram o que semearam, embora seja obviamente um atento admirador dos Death in June. Mas há que reconhecer que existe uma grande diferença entre estes e a segunda geração de seguidores; os primeiros sendo mais velhos e provenientes do trotskismo inglês, tinham algo a dizer e terão usado a imagem provocadora com um fim específico de crítica em relação à traição dos seus camaradas aburguesados, enquanto a maioria das bandas de segunda geração apenas estavam a seguir um figurino e a assumir o efeito de choque de forma gratuita. No meio disto tudo perdeu-se muito conteúdo lírico, muito potencial crítico tresmalhou-se para o lado errado.
Nesse caso, como é que Jerôme reagiria caso se verificasse uma situação semelhante com os ROME? Reuter nunca teve medo de assumir as suas origens ideológicas de esquerda, embora longe esteja a intenção de se apresentar com uma agenda política. De resto, as pessoas sabem-no bem, pelas canções e pelas afirmações manifestadas na imprensa, que está bem longe de todo esse imbróglio de extrema-direita ou da cena neonazi, que não é bem a mesma coisa. E muita gente respeita os ROME porque falam e dizem o que têm a dizer. Foram essas gerações entre Douglas e o presente que estragaram tudo, percebendo mal e lidando de forma errada com o cinismo e a ironia; Douglas P tem a sua maneira de enfrentar o problema e Jerôme Reuter fá-lo obviamente à sua maneira. De resto, Dougla Pearce fez já questão de publicamente afirmar o seu apreço pelos trabalhos de ROME, o que diz muito sobre a sua verdadeira natureza ideológica. Esta questão das más interpretações não é de agora e está um pouco por todo o lado, recua por exemplo até aos tempos de baladeiro de Leonard Cohen, também ele alvo desta ignomínia, logo ele.

De alguma forma é-se responsável por aquilo que se escreve, mas há sempre idiotas por toda a parte; os ROME ainda não tiveram problemas desse género, por serem frontais e de manifestarem que não estão, de modo algum, associados com a direita extremista. No entanto, e não querendo ser advogados do diabo, insistimos apenas por dever jornalístico – as capas dos discos iniciais dos ROME, com toda a estatuária heróica, podiam mesmo assim provocar algumas dúvidas … Reuter concorda e vai mesmo ao ponto de sublinhar o interesse desses layouts como fonte de diversidade estética, mesmo que pudessem motivar diferentes interpretações, algumas erradas. É o valor da obra de arte. Se analisar-se bem os álbuns, há um lado marcial mas é bem auto-explicativo. Essa variedade diminuiu com os álbuns posteriores, o que na nossa óptica revela a tomada de consciência das ambiguidades, provando o nosso ponto de vista. E, é aqui, que Jerôme deixa estalar um pouco o verniz da camaradagem, afirmando que não liga muito a esses detalhes, resumindo a sua distância de todos esses equívocos e sublinhando a clareza com que sempre abordou os seus temas.
Uma palavra final para o concerto dessa noite no palco Alma: Os ROME adoraram a sua estreia ao vivo em Portugal, mau grado algum stress inicial, aquando da mudança de equipamento após a longa actuação dos norte-americanos STELLAMARA. O grupo estava muito motivado para tocar mas, nestas situações, é natural a demora, é a toada comum a todos os festivais, tudo fica atrasado, e já sabiam que tinham de acabar relativamente cedo, não só porque há um limite para o festival mas porque havia outra banda a tocar lá em baixo de seguida, por isso sabiam que tinham de encurtar o seu set. Mas, mesmo assim deu para tocar a maior parte dos temas previstos. A resposta do público foi muito boa. E o mesmo se pode dizer do festival, impecavelmente organizado, apesar deste ou doutro atraso. A mensagem final fica bem clara – Os ROME voltarão em breve ao nosso país.
Depois do momento bem passado na companhia de Jerôme Reuter, pouco nos restou do concerto dos holandeses CLAN OF XYMOX que entretanto tinha iniciado no Palco Corpo. Do pouco a que podemos assistir, e na companhia da tradicional bifana de porco no espeto, o trio CLAN OF XYMOX, agora mais projecto pessoal de Ronny Moorings, encontra-se bem longe das sonoridades que marcaram o inicio da sua carreira ainda nos anos oitenta do século passado, centralizando-se, tal como apontava já os seus últimos trabalhos numa electro darkwave que serviu na perfeição para aquecer parte do público para os SUICIDE COMMANDO.
Integrando o cartaz do ENTREMURALHAS 2011, os SUICIDE COMMANDO viram-se forçados a cancelar a sua presença em Leiria no ano passado, devido a um súbito problema de saúde do seu vocalista e mentor, Johan Van Roy. Todavia, a vontade quer da FADE IN, quer dos SUICIDE COMMANDO, em marcar presença no ENTREMURALHAS e com ela estrear-se em palcos nacionais, era grande tendo ficado quase acertada a sua presença nesta edição de 2012, desde aí.
Esta era outra das estreias há muito aguardadas por grande parte do público do ENTREMURALHAS e tal foi evidente na reacção que cada tema foi recebido, com todos os corpos em constante movimento pois as batidas sincopadas fortes e avassaladoras não permitiam pausas para descanso, com o volume a atingir o máximo com o novo “Attention Whore”. No entanto, descanso foi o que nós procuramos ainda com os SUICIDE COMMANDO em cima de palco pois o dia seguinte prometia também ele ser longo e com momento brilhantes tais como tínhamos sido presenteados até então.
O dia terminava com a debanda do Castelo, encosta abaixo e pelas ruas estreitas e ruelas do bairro histórico, de volta ao hotel. O Corpo estava desfeito mas a Alma edificada e com grandes expectativas para o dia seguinte.
Para a semana voltámos com a reportagem daquele que foi o segundo e último dia do ENTREMURALHAS 2012

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