quinta-feira, 20 de junho de 2013

Café Europa apresenta: BARBAROSSA UMTRUNK & PALE ROSES ‎– "La Clairière Des Eaux Mortes"

 

BARBAROSSA UMTRUNK & PALE ROSES - "La Clarière des Eaux Mortes", Old Europa Cafe - OECD 174CD, limited edition, digipak (França), 2013
Raoul de Warren foi um escritor arstocrata francês do século XX, que se notabilizou na área da historiografia e da genealogia. Advogado, foi presidente da Comissão Nacional para a entreajuda da Nobreza Francesa, o que de certa forma estipulava de imediato um certo carácter para a sua escrita – elitismo, identidade nacional, em suma, “Vieille France” pura e dura. Mas de Warren foi muito mais que isso; à parte a sua longa bibliografia de Genealogia, História da Monarquia Francesa e Heráldica, área em que acumulou o cargo de secretário-geral da Federação Francesa de Heráldica, de Warren foi um criativo romancista do mistério e do oculto. A natureza por vezes ostensivamente iniciática da sua obra remete para a dimensão de história oculta que frequentemente condimentou o imaginário nobiliárquico francês nas extensas zonas de província, onde a beleza natural ganhou sempre contornos anímicos, mágicos e até mediúnicos/xamânicos.
Entre as suas obras mais conhecidas estão “ O enigma do morto-vivo ou o Mistério da Natividade Juliana”, “A Besta do Apocalipse”, “ A Aldeia Assassina”, “Gelo e Neve, Deus seja Louvado”, “A Clareira das Águas Mortas” e “ As Portas do Inferno”, entre outras. E é exatamente sobre esta penúltima, “A Clareira das Águas Mortas” que recaiu a escolha conjunta dos projetos franceses PALE ROSES e BARBAROSSA UMTRUNK, para um título de álbum homenagem à figura de Raoul de Warren.
E em boa hora chegou, numa altura em que toda a mística da Tradição Europeia parece esboroar-se sob o “Europa-masterplan” financeiro de origem duvidosa que nos consome, como metáfora da imagem da própria União Europeia, também ela transformada em clareira de águas mortas…
Os PALE ROSES serão menos conhecidos no nosso país do que os já “lendários” BARBAROSSA UMTRUNK; o trio de Arnaud Spitz é uma aposta de surpreendente qualidade, numa expressão musical folk ou por vezes neo-clássica, assente sobretudo através do uso de pianos, cordas e flautas, o que parece quere fazer a ponte entre o legado de Nick Drake e o misticismo iluminado dos Current 93, de tempos que já lá vão.
A sua homenagem a Raoul de Warren neste split com BARBAROSSA UMTRUNK, resume-se a apenas cinco temas, que aparecem nas entremeias dos temas liderados pelo Barão de Von S. Mas Arnaud detém vários traços que o destacam intensamente deste quadro vivo de mistério e oculto – uma voz que insinua apenas superficiais influências “drakeanas”, mas também outras provenientes sobretudo de “cantautores franceses setentistas” como Leo Ferré e sobretudo dos momentos mais calmos de Christian Decamps, dos velhos progressivos franceses Ange, nomeadamente nalgumas passagens narrativas dessa obra mágica dos Ange que foi “Émile Jacotey”. É curioso, porque a tonalidade bucólica misteriosa da obra dos Ange, sobre as histórias de um velho contador de província chamado Emile Jacotey, parece “casar” estranhamente com o ambiente desenvolvido no presente pelos PALE ROSES e pelos BARBAROSSA UMTRUNK, até mesmo em certas passagens da voz de Baron Von S, a persona enigmática por detrás dos BARBAROSSA UMTRUNK.
Voltando ao álbum, “La Clairière des Eaux Mortes”, os BARBAROSSA UMTRUNK têm aqui a parte de leão – são 45 minutos de adaptações de textos de Raoul de Warren, do seu imaginário fantástico, orquestradas num registo até menos ambicioso do que aquilo a que já nos habituaram, mormente em álbuns como “Regnum Sanctum”, “Kosmogonie Glaziale”, “Wolf Dharma” ou mesmo nos mais recentes “Agharti” e “Der Talisman des Rosencreuzers”. No entanto, essa vertente menos bombástica e fantasticamente minuciosa patente nas obras anteriores, não descaracteriza o estilo BARBAROSSA UMTRUNK – as montagens sonoras estão lá, só que mais atmosféricas, mais esfumadas entre o mistério constante das palavras de de Warren, declamadas sabiamente pelo Barão.

Não será talvez demais repetir a importância dos BARBAROSSA UMTRUNK no actual panorama francês da música moderna de vanguarda – se no início eram apontados como descendentes estilísticos de LES JOYEAUX DE LA PRINCESE e de REGARDE EXTRÊME, o passar dos anos revelou um projecto muito mais além de tais propostas, porque intensamente mais literário, ao passo que o interesse histórico-jornalístico de L.J.D.L.P. poderá eventualmente ter-se datado, e a paisagens neo-clássicas de REGARD EXTRÊME esgotado nos seus fraseados minimalistas. Se o ceptro do industrialismo francês esteve em tempos entregue nas mãos de nomes como ICK, PPF e NOCTURNE, pelas razões de luta e persistência, a emergência no espaço de uma década dos BARBAROSSA UMTRUNK é nada mais que justiça feita à imaginação quase febril de um homem que nunca deixou de acreditar nas potencialidades da tecnologia contemporânea aliadas à Poesia e à Tradição. O Baron Von S não tem feito outra coisa desde que o conhecemos através da faixa “Elixir Gaulois” na velha compilação “Brewery in Piotrkow Trybunalski” (já aqui apreciada há umas emissões atrás). No entanto, não está só – acompanham-no Dru-wid Sagos, aliás Marc-Louis Questin, também o alemão Sven Phalanx dos SCHATTENSPIEL, assim como as suas duas pequenas filhas que narram parcialmente “Gwer Nemeton”.

Outra ressalva a fazer é a de que, apesar do álbum, como tributo, ter o título de um dos romances obscuros de Raoul de Warren, “A Clareira das Águas Mortas”, não incide somente sobre essa obra; são referidos nos outros temas, livros como “Le Village Assassin”, “Gates of Hell”, “La Nativité Julienne”, visão de conjunto alimentada com o contributo de entrega destes músicos visionários, que dão som ao que outrora só era transmissível pela palavra escrita de de Warren.
Os 7 temas de BARBAROSSA UMTRUNK contrastam assim de suave modo, com os restantes cinco dos PALE ROSES, assegurando ao disco uma diversidade que é bem-vinda, que está em perfeita sintonia com a toada misteriosa e algo mediúnica deste tributo – temas mais doces, embora enganadores pela natureza par do seu número de ordem (enganadores como o morto de uma das novelas de Raoul de Warren), canções perfeitas para serões em cozinha de província, ao canto da lareira enquanto as crianças espevitadas pelo fogo, fazem mais perguntas sobre estórias insólitas.
Em suma, uma excelente forma de apresentar os talentos destas duas agremiações francesas e, em nome da preservação dos grandes nomes da cultura Europeia, fazer a apologia de um grande escritor quase esquecido. Esquecido em detrimento da grande mentira hollywoodesca que avassalou o mundo, mas que haverá de perder perante o poder da palavra escrita feita pensamento, tal como a Grande Cortesã (e o seu aliado anão) citada a propósito do livro de de Warren “La Bête de l’Apocalypse”, numa leitura dramatizada por Baron Von S..

Os BARBAROSSA UMTRUNK já tem mais discos na calha, dos quais se destacam “La Fraternité Polaire”, que deve estar a sair e também o projectado split com “Le Revers Sanglant”, assim como disco cuja preparação já foi encetada há meses e que receberá o título de “La Fosse de Babel”. Recentemente, à falta de um saíram três, “Der Talisman des Rosenkreuzer”, este “La Clairière des Eaux Mortes” e o split com os ESCUADRON DE LA MUERTE, “Bautismo de Fuego”, mais uma vez dedicado à poesia e misticismo de Miguel Serrano. Como se vê, uma operação Barbarossa que não se detém com nada. Os livros de Raoul de Warren são editados em França pela L’Herne, soft bound paperback.

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