quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Café Europa: Emissão #99, de 2 de Dezembro de 2013

01. CAMERATA MEDIOLANENSE - "99 AltriPerfecti"(IT)
02. Ô PARADIS - "Sopla!"(ESP)   
03. BLACK TAPE FOR A BLUE GIRL - "Love Of the Father"(USA)  
04. OSTARA - “Debt On Credit”(AUS)
05. OSTARA - “Paradise Down South”(AUS)
06. OSTARA - “Darkness Over Eden”(AUS)
07. OSTARA - “Heart On The Rock”(AUS)
08. OSTARA - “Garden Of The Rain”(AUS)
09. OSTARA - “Silent Symphony”
10. REGARD EXTREME - "Amour TeVolerai"(FRA)
11. DERNIERE VOLONTÉ - "Les Orages Du Crime"(FRA)   
12. STROMFÄGEL - "Halesong"(SWE) 
13. OSTARA - “Story Of Lament” (AUS)
14. OSTARA - “Vagrant Heart” (AUS)
15. OSTARA - “Black Hole Of Light” (AUS)
16. OSTARA - “Wreath Made Hollow” (AUS)
17. OSTARA - “Dark Romance” (AUS)
18. OSTARA - “Lone Wolf Cry” (AUS)
19. OSTARA - “Havamal” (AUS)
20. COTARD DELUSION - "Ruins Of Culture"(PT) 
21. KOKORI - "Ashcending” (PT)  
22. ERMO - "Pangloss” (PT) 
23. HEKATE - "Idelia” (GER) 
24. THE BLUE HOUR - "The Night Is Windless” (USA) 
25. ORDO EQUITUM SOLIS - "Never Read Book)"(IT)   
26. ROMA AMOR - "Love To Say Goodbye For” (IT)

OSTARA “Paradise Down South”
Soleilmoon CD 2013

Muito se passou desde que Richard Levy sob o nome OSTARA lançou o seu último disco de originais, “The Only Solace”, em 2009. Mundialmente, todos sabiam que um buraco maior que o da camada de ozono, tinha sido aberto nas finanças mundiais, e que tempos negros se aproximavam com a ferocidade de um tornado de dimensões apocalípticas. Assim aconteceu e os efeitos do choque não nos abandonaram. A indústria da música vive das boas cores nas faces dos compradores e quando essa mesma indústria absorve toneladas de ouro para as suas estrelas de plástico com saltos de meio metro e olhar vítreo de manequim de montra, pouco sobra para os que ainda são capazes de algo fazer em nome da Musa e das Divinas Artes.

A poesia e a beleza melódica foram sempre apanágio descritivo da obra de Richard Leviathan, desde os tempos dos STRENGTH THROUGH JOY até ao já referido “The Only Solace”. Leviathan, quer se goste dele ou não, tem sido um dos mais hábeis obreiros e wordsmiths do fenómeno neofolk, eivado da substância powerpop que por seu lado sempre condimentou os álbuns dos OSTARA. Em 2009, “TheOnlySolace” era um bem-vindo sopro de frescura numa carreira que parecia algo encalhada, após uma boa ideia semi-fracassada - o terceiro álbum de 2003, “Ultima Thule” - e uma má ideia soberbamente executada, neste caso, o excessivo duplo álbum de 2005 “Immaculate Destruction”, um disco com boas canções, recheadas, como a um peru de Natal, com riffs e malhas hard rock sofisticadase uma superprodução que parecia querer empurrar demasiado depressa o nome dos OSTARA para uma ribalta mainstream que não condizia com a ética artística de quem tinha criado “Secret Homeland” e “Kingdom Gone”.

“The Only Solace” traduzia um estado de espírito que numa espécie de acto de contrição, restabelecia os níveis de credibilidade de Richard Leviathan junto da quase exigente comunidade neofolk internacional, que de uma forma bastante significativa, registou esse excelente regresso à forma num momento em que tudo parecia começar a desmoronar-se – bem vistas as coisas, o final da primeira década do século XXI têm o sabor amargo de uma grande depressão, como se todos esses dez anos tivessem sido em vão, como se a humanidade, após os acontecimentos que mancharam indelevelmente a tal aurora de esperança para o futuro, nunca mais tivesse encontrado os bons espíritos com que aparentemente tinham saudado a chegada do ano 2000. Estamos em 2013 e esse fantasma negro ainda não se dissipou sobre as nossas cabeças. E todos conhecemos a origem da maldição…

“Paradise Down South”, ao contrário da humildade de “The Only Solace”, parece ter ganho fôlego ao longo dos iguais quatro anos que levou a nascer. E, contudo, não é um disco marcado pelo ódio ao país onde se originou a tal mancha que alastrou globalmente (a julgar pelo modo como Leviathan pontua o tema “Darkness Over Eden”:
I must confess to you I simply Love America, despite the ugliness and everything about you we despise…”).
O disco começa com a enérgica “Debt On Credit”, um tema cujo título fala por si, embora não necessariamente compaginado com o cânone OSTARA, mas não sem, durante mais de cinco minutos, o que não é comum num tema de abertura, alicerçar uma nova esperança para dias vindouros. Como se quisesse estabelecer uma ponte com o passado, remetendo o verdadeiro início deste novo trabalho para os temas seguintes. São temas fortes os que lhe sucedem, e tanto o tema título como o magnífico e já citado “Darkness Over Eden” parecem estabelecer uma nova norma e um novo padrão na forma OSTARA – doravante não haverá mais barramentos estilísticos em nome de qualquer corrente filosófico ou ideológica, ou por esse mesmo motivo, a vontade de os quebrar com aparentes dessacralizações (vide “Immaculate Destruction”).

Os arranjos são por demais intensos e, com a produção suave mas bem definida de David Lokan com o próprio Richard Leviathan, ajudam à estimulação pop do ouvinte – não mais poderá o nome OSTARA estar alinhado com qualquer sombra do passado épico darkfolk dos STRENGTH THROUGH JOY. O triângulo sonoro voz-guitarra-teclas é a chave constante do encanto deste álbum, com especial ênfase para os teclados que conferem o contraste evidente às permanentes digressões vocais de Richard.
No entanto, existem sempre os perigos dos longos alinhamentos que o formato CD permitiu há já mais de trinta anos – um disco de cerca de uma hora, não tendo mesmo a intenção de ser um duplo LP conceptual, caso fosse lançado em vinil, acaba invariavelmente por começar a cansar o ouvinte, sobretudo quando existe uma componente estilística tão forte como a de Richard Leviathan.

Não quer isto dizer que se trata de composição bidimensional, o que nunca foi o caso dos OSTARA. Mas talvez por isso mesmo, Leviathan segmentou bem este seu novo trabalho – seis temas novos garantem a solidez na construção da ideia de álbum e ao sétimo tema descansa, com a reposição de “Story Of Lament”, uma faixa repescada do injustamente malfadado “Immaculate Destruction”, aqui retratado ainda mais suavemente, como um esboço à posteriori do que deveria ter sido o espírito daquele trabalho.

Para trás ficam canções como “Heart On The Rock” e “Garden Of The Rain”, suaves e vagamente reminiscentes da brisa lírica que dourava os ares de “Secret Homeland”, especialmente a segunda, e também “Silent Symphony”, mais rápida mas também mais radio-friendly, a fazer ver que Leviathan na sua juventude não terá só ouvido The Church, The Go-Betweens ou Triffids, mas também a sua boa dose de REM.

No entanto, e após esta breve memória, retoma, e bem, o decurso de “Paradise Down South”, com dois temas absolutamente inesquecíveis, conferindo-lhe um cunho simultaneamente cíclico e simétrico tal como acontecera nos minutos iniciais – são eles “Vagrant Heart” e o belíssimo “Black Hole Of Light”, que com “Darkness Over Eden”, constitue mos picos da cordilheira de canções mais memoráveis de “Paradise  Down South”. 
“Wreath Made Hollow”, o tema 10, inicia-se com uma das habituais teias de guitarra e voz, lentas e ascendentes, e as linhas “No Beauty Without Truth and No Glory Without Grief”, que de certa forma vão ao encontro das três divas dos anos 20-30 que discretamente se insinuam na contracapa, Marlene Dietrich, Anne MayWong e, claro está, Leni Riefenstahl, tema que está de certa forma ligado ao seguinte, “Dark Romance”, que também conta com a participação de Douglas Death in June Pearce nos E-bows.

O novo álbum está quase no fim e podia mesmo acabar aqui, a caminho de concretizar mais uma confirmação para os OSTARA – a de que ainda não estão em baixo e que não podem ser nem esquecidos nem ignorados no texto global da música popular moderna. Se uma vantagem a sociedade de informação voraz trouxe à humanidade é a descoberta quase instantânea e total de um qualquer fenómeno sociocultural. Talvez ainda não seja tarde para o movimento neofolk fazer ver ao mundo as suas razões – e ironia das ironias, foram as armas dos seus principais detratores a contribuírem para a sua massificação!

“Lone Wolf Cry” é breve e talvez o momento mesmo mais fugaz do álbum que fecha com uma melopeia nórdica, “Havamal”, texto da tradição odínica, com música de Kyron Lazarus, mas que soa estranhamente a um ritual índio americano. É com este sinal de estranheza religiosa e histórica que “Paradise Down South” fecha.

Quatro anos passaram, quatro longos anos de crise mundial e sobretudo europeia e a sul. O paraíso cá no sul não se fez sentir de modo algum e nem assim acontecerá na próxima década – resta-nos a única consolação de podermos ainda ouvir canções dos OSTARA, projecto musical de um australiano que já viveu e trabalhou em vários países europeus mas que gravou todo este novo disco em Adelaide, no sul da Austrália. Decididamente, um outro Sul mais a Norte.

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