quinta-feira, 13 de março de 2014

Café Europa apresenta: STURMPERCHT‎ – "Bergentrückt", Percht 22, 2013

Já são pelo menos dez anos a acompanhar as diabruras dos caretos alpinos que dão pelo nome de STURMPERCHT, aparentemente liderados pelo espírito empreendedor dum homem de inesgotável fôlego e imparável criatividade, chamado Markus Presch. Max, como é conhecido na Europa e nalguns lugares do mundo, é também o homem por detrás de vários projetos da nova música germânica, de diferente natureza, onde se incluem os lendários industrialistas Rasthof Dachau, os Men Behind the Sun, os ARS e, ainda, colaborações e produção com os colegas de acearia Stahlwerk 9 / Indigo Larvae, os Atrox, entre outros pertencentes ao selo austríaco Steinklang Industries, sediado em Salzburg e do qual Max é obviamente o patrão, à volta do qual nasceram, naturalmente, selos subsidiários como a Ahnstern, onde os compatriotas Allerseelen de Gerhard Hallstat são a atração principal, além de outros projetos de folk alpino primitivo ou de fusão industrial / psicadélica, assim como o próprio selo Percht de onde vêm os discos dos Sturmpercht.
Com os STURMPERCHT, Max e os companheiros de algazarra campestre e montanhista revivem a longa tradição folk dos Alpes, inicialmente, estritamente ligados ao espírito volkisch iniciático que animava as bandas irmãs como os Allerseelen, Waldteufel ou os próprios Der Blutharsch, que descendiam dos The Moon Lay Hidden Beneath A Cloud, mas depois ganhando uma identidade própria, demarcando-se portanto dos tiques que certas cliques de admiradores lhes podiam eventualmente conferir, acarretando-lhes os habituais e costumeiros mal-entendidos político-ideológicos, geralmente ateados por sites alarmistas e difusores de mentiras como o célebre “Who Makes the Nazis”.
Desse modo folião e grotesco, os STURMPERCHT foram-se tornando num valor seguro na cena musical europeia, reunindo simultaneamente genuíno amor às raízes tradicionais da cultura dos montes, e uma enorme dose de humor que resume a essência do espírito Perchten, em tudo semelhante ao dos nossos caretos transmontanos. Aliás, Max Presch muda de nome cada vez que agremia mais uma batida conjunta dos STURMPERCHT, passando muito naturalmente a chamar-se Max Percht.
De volta à discografia dos Sturmpercht, os últimos anos foram recheados de lançamentos marcantes, entre EP’s, álbuns e compilações, com especial destaque para dois álbuns essenciais como “Geister Im Waldgebirg” de 2006,  e “Schattenlieder” de 2009, dois discos duplos que assumem na sua edição em vinil uma espécie de compêndio básico para os recém-chegados a estas paragens musicais. Depois de um interregno de quatro anos, surge no final de 2013 mais um disco de originais, numa caixinha de madeira bem rústica, com o título de “Bergentrückt – sagen aus der Anderswelt”, um conceito que não pode andar longe do velho “Hall Of The Mountain King” de Edvard Grieg, ou dos mitos germânicos wagnerianos, que no fundo ligam todas as temáticas lendárias por detrás da cultura ancestral dos povos desta zona europeia.
Mas é certo que num mercado relativamente condicionado, a obra dos STURMPERCHT só pode logicamente alcançar uma fatia altamente seletiva do público, em função não só do género musical a que se dedicam, mas também pelas edições limitadas, pelos acessórios e veículos que muitas das suas edições assumem (geralmente associadas a invólucros de madeira ou outros elementos naturais), perante uma juventude urbana cada vez mais subjugada à ditadura do consumo imediato e da música sem suporte físico.
Na alvorada de uma terrível revolução na indústria musical, em que a distribuição online ganhou à tradição de “fazer um disco - comprar um disco”, com a perda de direitos dos artistas que tudo isso implica, o acervo folclórico das edições dos STURMPERCHT é visto como um disparate pegado, uma palermice que, ironicamente, não é passível de ser facilmente arrebatada pelos novos barões da distribuição musical.
É simultaneamente uma jogada de resistência artística / estilística e um confronto directo, que assenta num pretenso falso elitismo de parte a parte. Até porque a música dos STURMPERCHT é mesmo puro folk ancestral e primitivo, tradição e preservação da identidade, que contraria e espicaça a atitude generalizada dos povos europeus de se deixarem colonizar inteiramente por modos de vida alienígenas, importados de lugares que mal têm História para contar, embora se arreiguem em estatutos megalómanos como “polícias do mundo” ou “nação de pedreiros livres”, etc e tal…
As razões e as fontes do trabalho deste móbil grupo de intérpretes do passado europeu mal conhecido, são praticamente filão inesgotável, pelo menos para o próximo século – há um orgulho saudável na forma como se cruzam pequenos apontamentos acústicos com o uso de uma tecnologia contemporânea, posta positivamente ao serviço da recriação mental dos arquétipos antepassados, e é dessa mesma fusão que resulta por vezes a sonoridade quase industrial, fortemente ambiental ou psicadélica de alguns temas dos STURMPERCHT e nomeadamente neste “Bergentrückt”. Num mundo ideal e justo, com a consciência pretensamente ecológica que as forças da nova ordem mundial nos pretendem impingir, os esforços de representação dos STURMPERCHT deveriam ser antes louvados pela sua autenticidade.
Todo o álbum, que dura quase 78 minutos, assume uma dinâmica narrativa que se encaixa na perfeição, dentro dos cânones sonoros a que nos já habituaram desde que em 2004 nos surpreenderam com “Sturm Ins Leben Wild Hineim” e no ano seguinte com o memorável “ Alpin Bann Und Segenssprüche”. São temas que nascem quase de forma espontânea, sobre uma base de droning que vai suportar frases melódicas de instrumentos de corda tradicionais, que se entrecruzam com montagens sonoras reveladoras e relevantes para a dinâmica narrativa imparável que o grupo desenvolve. Aliás, se algum epíteto os STURMPERCHT merecem é o de grandes contadores de histórias, estatuto que têm guardado zelosamente de há dez anos para cá.
Com tudo isto dito sobre este aparente último reduto da consciência folk europeia, a imagem do grupo som pode sair incólume e até reforçada – alguns dos seus membros são os homens por detrás dos discos de grupos que já provaram a sua probidade moral e arejamento ideológico (o próprio Max nos Rasthof Dachau, num permanente movimento contínuo pelo humanismo, Reynard Hopfe dos Stahlwerk 9, frontal opositor de vertigens neo-qualquer-coisa, e arauto contra os horrores do século XX, Gerhard dos Allerseelen, filósofo da terra e eterno viajante da Europa, o búlgaro Dimo Dimov dos fantásticos Svarrogh, paciente e perspicaz descodificador da matriz folk pan-europeia, etc.).
Meia dúzia de álbuns em dez anos provaram que é possível tornar a essência da Tradição e as lendas da Memória Europeia percetíveis para alguns milhares de pessoas através da Europa e do mundo. Nalguns casos, é no mínimo interessante ver alguma da juventude norte- americana entusiasmada com esta redescoberta; no máximo, é reconfortante acreditar que todo este esforço e perigos constantes não foram em vão, e que graças à música de grupos como os STURMPERCHT, e não só, um dia possamos constatar que as erradas mudanças operadas nos primeiros anos deste século implodiram sobre si mesmas, tal como as torres e castelos da quimera capitalista e usurária. E que um dia o Imperador adormecido sob a montanha possa acordar e reiniciar uma nova renascença, uma nova idade de ouro na Europa berço das ideias, livre de todos os malfeitores encartados e empossados. 

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